Braz Chediak
O GOL É UMA LÁGRIMA DE SAUDADE |
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O velho, antes de dormir, trancava-se no
quarto para fazer suas orações. O garoto aproveitava e ligava a televisão.
O velho interrompia suas preces e ralhava com o neto:
- Desliga isto. Amanhã você tem aula cedo!
O menino insistia:
- Pó, só vou ver o primeiro tempo!
O velho mantinha-se irredutível e o menino ia para o quarto, resmungando:
“velho chato”.
Na hora do almoço o velho descascava seis laranjas e as chupava como
sobremesa. Um dia o menino pegou uma delas. O velho murmurou baixinho:
“que criança chata”. Mas daquele dia em diante aumentou a cota: descascava
sete laranjas. Uma era para o neto.
O velho era botafoguense doente. O menino, fanático pelo Flamengo. Quando
os dois times se enfrentavam a briga era certa: se o Botafogo vencia, o
velho, com seu sorriso alegre, chamava o Flamengo de perna-de-pau. O
menino, com raiva, reagia:
-
Pô, vô, não enche o saco!
E trancava-se no quarto, batendo a porta.
Se o Flamengo ganhasse, o menino chamava o Botafogo de “timinho” e o velho
xingava:
- Esse moleque não me respeita!
De uma viagem ao Rio, o menino trouxe uma bandeira do Flamengo e a
pendurou na parede de seu quarto. Nos dias de jogo amarrava-a em um bambu
e, correndo em sua bicicletinha, gritava:
- “Mengoooo!!!! Mengoooo!!!!”
E, passando diante da janela do avô, suspendia a bandeira bem alto para
que ele a visse. O velho fechava a janela, resmungando.
Um dia o velho ganhou uma pequena bandeira, uma flâmula, do Botafogo e
chegou em casa orgulhoso. Na hora do almoço colocou-a perto das laranjas.
O menino se recusou a comer e só mais tarde foi lanchar na varanda. O
velho, então, guardou a bandeirinha na gaveta de sua mesa, no quarto, e só
a tirava nos jogos do Botafogo.
O menino mudou-se para o Rio, mas quando o Flamengo jogava com o Botafogo
ligava para o avô e gritava pelo telefone: “Mengo! Mengoooo!!!”. O velho
gritava que o juiz roubara e desligava o telefone.
Quando o Botafogo vencia, era o velho quem ligava:
-Time é time. Time é o Botafogo... -, e o menino desligava, depois de
dizer que o juiz não marcara um pênalti ou que roubara descaradamente.
Uma noite o menino estava dormindo quando o telefone tocou. Era o tio,
dizendo que o velho estava à morte. Quando o pai lhe contou, o menino
começou a gritar:
- Meu avô! Meu avô!
E quis ir com o pai, de ônibus, apesar de seu cansaço de criança.
Quando chegaram o caixão estava na sala, as pessoas em volta, no silêncio
constrangedor da morte.
O menino segurou um soluço e correu para o quarto, tirou da gaveta a
pequena flâmula botafoguense, voltou para a sala e, apertando a
bandeirinha no peito, debruçou-se sobre o caixão do avô, murmurando aos
prantos:
- Vovô, o Botafogo é o maior time do mundo!
(19 de março/2005)
CooJornal
no 412