Braz Chediak
CRÔNICA E PONTO FINAL |
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Todo leitor deve viajar. Não essas viagens turísticas, onde uma turma
barulhenta sai cantando “quem parte leva saudades de alguém...” e deixa o
lugar visitado com a inevitável “Ai, ai, ai, ai, ta chegando a hora, o dia
já vem raiando meu bem e eu tenho que ir embora.” Mas a viagem afetiva,
onde, anotados na memória, ou em algum caderno, estão os nomes estranhos
que aparecem nos livros lidos e queridos.
Para ilustrar cito exemplos: ontem, relendo Raquel de Queiroz, deparei com
o seguinte trecho da crônica O CAÇADOR DE TATU: “Sentado no banco debaixo
do pé de jucá, compadre Manuel Vieira, o Vieirinha...” Manuel Vieira, o
Vieirinha, é um personagem e, ajudado pela escritora, eu o imagino ou o
crio. Mas o que é o “pé de Jucá”?
Lembro-me do professor Cândido Jucá Filho, o qual conheci na infância, e
admirei, mas não consigo imaginar a planta. Recorro ao mestre Aurélio e
ele me explica que a palavra se origina do tupi e significa “... madeira,
duríssima, usada para tacape”. O mesmo que Pau-ferro.
Bem, agora posso visualizar a árvore. Pau-ferro eu vi no Jardim Botânico
do Rio, há muitos anos, e ainda o tenho na memória, como tenho na memória
todas as árvores de minha vida - com os nomes que as conheci, é claro.
Mas, continuando no Nordeste e na vegetação, outras palavras me
embatucaram. “Pau-d’arco”, por exemplo, tão usada por Graciliano Ramos e
Zé Lins do Rego, só vim a saber que é o nosso “Ipê” depois de adulto. Meu
Deus, quantos encontros amorosos que li nos romances e se passaram sob o
pau-d’arco me pareceriam mais simples, mais puros se os imaginasse sob um
velho ipê florido!!!
Mas não são apenas os nomes das plantas que, descobertos, causam surpresa,
admiração ou, por que não?, decepção aos leitores. E saio do Nordeste para
encontrar a famosa madeleine de Proust: quando a comi, na casa de uma
querida amiga francesa, fiquei triste. É que, diferente do personagem
proustiano, a madeleine não me trazia de volta a infância e, confesso
envergonhado, não gostei.
O contrário se deu quando andei quilômetros num velho jipe, numa estrada
de terra, esburacada e cheia de poeira, no interior da Bahia, para
conhecer a galinha à cabidela. Quando vi que era a mesma galinha ao molho
pardo, tão comum em nossa Minas, fui tomado de tanta ternura e saudades
que à noite, já no quarto do hotel, visitado pelos fantasmas de meus pais,
assentei-me novamente na mesa de nossa sala na velha estação ferroviária
de Três Corações, e reparti com eles o jantar e a saudade.
Sim, são viagens afetivas, mas mesmo com elas devemos tomar algumas
precauções. A leitura de crônicas, por exemplo, exige muitos cuidados. É
que o tal gênero literário trata, em geral, de acontecimentos recentes dos
quais somos testemunhas. E aí....
Li diversas crônicas, escritas por diversos autores, cantando a beleza
desta ou daquela jovem da década de 60 e 70 e, como conheci várias delas,
fico admirado. Às vezes a musa do cronista não era tão bela assim, apenas
era de sua turma ou pertencia à mesma ideologia política ou religiosa. Às
vezes representava um tipo de beleza que não era o que eu admirava, como
por exemplo aquelas magérrimas que imitavam Twiggy. E aqui abro um
parêntese para explicar aos jovens que Twiggy era uma modelo famosíssima
do tipo que aqui em Minas chamamos de “bambu vestido”. Fecho o parêntese e
peço aos leitores que tenham cuidado também com os filmes. E explico:
quando lemos um romance visualizamos os personagens movidos pela
imaginação. Por mais que o autor o descreva, somos nós que o formamos, que
damos o retoque. E quando o vemos no cinema... Eles estão lá, no corpo dos
intérpretes.
Meus Deus, por mais belas que sejam as atrizes, nenhuma delas será a
Capitu de minha infância. E, como o contrário também é verdadeiro, nunca
haverá outra mulher como Gilda, a personagem do filme de Charles Vidor,
vivida pela pequenina Rita Hayworth.
Como devem ter percebido meus três ou quatro leitores, comecei falando em
plantas brasileiras, cheguei a Hollywood mas não a uma conclusão. É
normal. Tem crônica que não quer fechar. E quando isto acontece, para não
ficar andando em zig-zag, o melhor é colocar um ponto final. E... Ponto
final.
(05 de março/2005)
CooJornal
no 410