05/03/2005
Número - 410




 

Braz Chediak



CRÔNICA E PONTO FINAL

Todo leitor deve viajar. Não essas viagens turísticas, onde uma turma barulhenta sai cantando “quem parte leva saudades de alguém...” e deixa o lugar visitado com a inevitável “Ai, ai, ai, ai, ta chegando a hora, o dia já vem raiando meu bem e eu tenho que ir embora.” Mas a viagem afetiva, onde, anotados na memória, ou em algum caderno, estão os nomes estranhos que aparecem nos livros lidos e queridos.

Para ilustrar cito exemplos: ontem, relendo Raquel de Queiroz, deparei com o seguinte trecho da crônica O CAÇADOR DE TATU: “Sentado no banco debaixo do pé de jucá, compadre Manuel Vieira, o Vieirinha...” Manuel Vieira, o Vieirinha, é um personagem e, ajudado pela escritora, eu o imagino ou o crio. Mas o que é o “pé de Jucá”?

Lembro-me do professor Cândido Jucá Filho, o qual conheci na infância, e admirei, mas não consigo imaginar a planta. Recorro ao mestre Aurélio e ele me explica que a palavra se origina do tupi e significa “... madeira, duríssima, usada para tacape”. O mesmo que Pau-ferro.

Bem, agora posso visualizar a árvore. Pau-ferro eu vi no Jardim Botânico do Rio, há muitos anos, e ainda o tenho na memória, como tenho na memória todas as árvores de minha vida - com os nomes que as conheci, é claro.

Mas, continuando no Nordeste e na vegetação, outras palavras me embatucaram. “Pau-d’arco”, por exemplo, tão usada por Graciliano Ramos e Zé Lins do Rego, só vim a saber que é o nosso “Ipê” depois de adulto. Meu Deus, quantos encontros amorosos que li nos romances e se passaram sob o pau-d’arco me pareceriam mais simples, mais puros se os imaginasse sob um velho ipê florido!!!

Mas não são apenas os nomes das plantas que, descobertos, causam surpresa, admiração ou, por que não?, decepção aos leitores. E saio do Nordeste para encontrar a famosa madeleine de Proust: quando a comi, na casa de uma querida amiga francesa, fiquei triste. É que, diferente do personagem proustiano, a madeleine não me trazia de volta a infância e, confesso envergonhado, não gostei.

O contrário se deu quando andei quilômetros num velho jipe, numa estrada de terra, esburacada e cheia de poeira, no interior da Bahia, para conhecer a galinha à cabidela. Quando vi que era a mesma galinha ao molho pardo, tão comum em nossa Minas, fui tomado de tanta ternura e saudades que à noite, já no quarto do hotel, visitado pelos fantasmas de meus pais, assentei-me novamente na mesa de nossa sala na velha estação ferroviária de Três Corações, e reparti com eles o jantar e a saudade.

Sim, são viagens afetivas, mas mesmo com elas devemos tomar algumas precauções. A leitura de crônicas, por exemplo, exige muitos cuidados. É que o tal gênero literário trata, em geral, de acontecimentos recentes dos quais somos testemunhas. E aí....

Li diversas crônicas, escritas por diversos autores, cantando a beleza desta ou daquela jovem da década de 60 e 70 e, como conheci várias delas, fico admirado. Às vezes a musa do cronista não era tão bela assim, apenas era de sua turma ou pertencia à mesma ideologia política ou religiosa. Às vezes representava um tipo de beleza que não era o que eu admirava, como por exemplo aquelas magérrimas que imitavam Twiggy. E aqui abro um parêntese para explicar aos jovens que Twiggy era uma modelo famosíssima do tipo que aqui em Minas chamamos de “bambu vestido”. Fecho o parêntese e peço aos leitores que tenham cuidado também com os filmes. E explico: quando lemos um romance visualizamos os personagens movidos pela imaginação. Por mais que o autor o descreva, somos nós que o formamos, que damos o retoque. E quando o vemos no cinema... Eles estão lá, no corpo dos intérpretes.

Meus Deus, por mais belas que sejam as atrizes, nenhuma delas será a Capitu de minha infância. E, como o contrário também é verdadeiro, nunca haverá outra mulher como Gilda, a personagem do filme de Charles Vidor, vivida pela pequenina Rita Hayworth.

Como devem ter percebido meus três ou quatro leitores, comecei falando em plantas brasileiras, cheguei a Hollywood mas não a uma conclusão. É normal. Tem crônica que não quer fechar. E quando isto acontece, para não ficar andando em zig-zag, o melhor é colocar um ponto final. E... Ponto final.



(05 de março/2005)
CooJornal no 410


Braz Chediak,
cineasta e escritor
Três Corações, MG
brazchediak@bol.com.br