01/09/2023
Ano 26 Número 1.332
ARQUIVO BRAZ CHEDIAK
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Braz Chediak
LEILA DINIZ
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Madrugada de uma noite fria e chuvosa na estação de Mangueira. Uma
jovem mulher, roupas humildes, sapatos pobres, cabeça escondida entre os
braços cruzados que servem de travesseiro, dorme sentada nas escadarias.
Um rapaz magro pega uma lata de negativo, usada, semelhante a essas latas
redondas de marmelada, e coloca-a a seu lado. Depois coloca uma nota de 1
cruzeiro, a de menor valor, e se afasta. A mulher continua adormecida,
imóvel.
Logo em seguida pára o primeiro trem, despejando alguns
passageiros sobre a plataforma. Um homem jovem, com cara de sono, tira do
bolso uma moeda e pinga-a na lata da mulher que dorme. Uma senhora de
idade faz um gesto de reprovação, mas também pinga sua esmola e afasta-se
com pressa.
O trem dá a partida e seu barulho acorda a jovem
mulher. Ela se espreguiça, vê a lata, pega o dinheiro, conta-o e dá uma
gargalhada.
- Chediak, você é um filho da puta! Mas a féria foi boa,
vamos ver se tem algum boteco aberto e tomar um conhaque. Eu pago. Estou
com um frio desgraçado.
A mulher era Leila Diniz, e estávamos
filmando Mineirinho Vivo ou Morto.
Naquela época, o cinema era
feito de sonhos, as atrizes ajudavam a varrer o cenário e a equipe, quando
era grande, tinha que caber dentro de uma kombi. Não havia “cadeira do
diretor”, nem “cadeira do ator” e, “Trailer para a atriz” era coisa que,
ouvíramos dizer, existia em Hollywood. Por isso Leila, cansada,
trabalhando como atriz e ajudando a fazer os sanduíches de mortadela que
alimentavam equipe e elenco, adormecera na escadaria da estação.
Não me lembro se ela já era mito, se Todas as Mulheres do Mundo já havia
sido lançado. Mas nos encontrávamos quase todas as noites no apartamento
do diretor Aurélio Teixeira e sua mulher, a atriz Gracinda Freire, -
Glauce Rocha, Glauber, Geraldo del Rey, Catulo de Paula, etc., também
frequentavam “a casa do Aurélio” - onde eu escrevia o roteiro do filme. E
todas as noites, terminado o trabalho, Leila me pedia uma “carona”.
Não, eu não tinha carro. A “carona” era irmos no mesmo ônibus - quando
tínhamos dinheiro - ou a pé, até a TV Rio, no posto seis, onde ela ia
encontrar-se com Henrique Martins, seu namorado.
Leila Diniz não
tinha preconceitos: logo depois do filme começou a ensaiar TEM BANANA NA
BANDA, Teatro de Revista, gênero que, na época, era considerado menor,
execrado pelos chamados “artistas sérios”. E aqui abro um parêntese para
dizer que foi ela quem aconselhou Sandra Bréa a trabalhar nos Revistas –
ou TEATRO DE REBOLADO, como o rebatizou Sérgio Porto. - no início de sua
carreira. Fecho o parêntese e afirmo que essa atitude deixou os puristas
de bocas abertas. Havia discussões nas ruas, nas praias, nos bares, etc.
Uns a defendiam, outros cuspiam de lado. Rapidamente seu nome tomou conta
do Rio e centenas de jovens começaram a imitá-la. Mas ela continuava a
mesma Leila, com seu ar desamparado e seu jeito moleque, que tanto
fascinavam o público. Aliás, não era só fascínio. Acho que o público
tornava-se cúmplice dela, este era o segredo de ser tão amada por homens e
mulheres. Amada como atriz e como mulher, amada como ser humano.
Hoje, revendo seu trabalho, confirmo a grande atriz que ela era:
intuitiva, natural, verdadeira. E, quando vejo uma foto sua, sempre a
comparo com outro mito, que ela amava: Marilyn Monroe. Ambas tinham a
mesma pureza no olhar, a mesma mistura de mulher sensual e criança
desamparada, a mesma intuição de ser atriz genial e estar no lugar e na
hora certa para a notícia.
Mas isto era uma coisa natural na Leila.
Ela não era Vedete, no sentido pejorativo da palavra. Ela tinha
consciência de que a profissão de artista, naquela época, era uma
profissão dura, sacrificada, mal paga e inconstante. Ela via Grande Otelo
correndo a noite inteira, pulando de um show para outro, para ganhar uns
trocados. Ela via a grande Glauce Rocha se ralando para pagar as contas de
seu pequeno apartamento no edifício tão significativamente chamado
“Alone”.
Quase da mesma idade que Leila e trabalhando no mesmo
meio, era natural que nos encontrássemos sempre. E várias vezes eu a vi
aconselhando jovens atrizes e atores. Mostrando caminhos e incentivando-os
a batalhar, batalhar, batalhar. Leila era uma batalhadora.
Não me
lembro se era fria ou quente a noite em que cheguei à Fiorentina e Paulo
Pontes me disse que Leila havia morrido. Sei que fiquei triste, muito
triste, e tomei alguns whiskys a mais por causa dela.
Leila Diniz
marcou profundamente uma época.
Não sei se foi feliz. Sua paixão
era o cinema. Acho que foi correspondida.
(19 de fevereiro/2005) Rio Total, CooJornal no 408
Braz Chediak,
cineasta e escritor Três Corações, MG.
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Braz Chediak,
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