Artur da Távola
ELA SE APAIXONOU
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Amiga minha está assim. Feliz por ela, mas para acalmá-la um pouco,
enviei-lhe estas velhas idéeas.
A mulher em estado de paixão é um
ser em estado permanente de torcida do Flamengo. Torce mais por ele (o
amado) que pela Seleção. Entra no campo, agride o juiz, salta o
alambrado, topa qualquer desafio. Só vê a vitória. Vai pro exílio, larga
carreira, profissão, conveniência, partido político. Só tem um caminho e
uma verdade: a paixão. O resto virá depois. Sem ele, o tudo é nada.
É o mais paciente dos seres impacientes. Sempre em estado de "estou
pronta" leva anos esperando com uma insuportável e maravilhosa
impaciência, exigência, dedicação, entrega, cegueira, vontade de
quintais, praias e amarrações que supõe perfeitas e definitivas. Ninguém
vive a provisoriedade com tanto sentido de permanência. Ninguém assina
em branco e antecipa tantos avais de afeto. Ninguém erra com tanta
convicção e decência. Para ela, a única alternativa para o tédio é a
paixão.
É fera e santa, guerreira e gato, desastrada e genial,
capaz de usar fitas; meias coloridas; de enfrentar solidões, distâncias,
presenças e furacões pelo ser amado. É o mais regular dos seres
irregulares, porque não julga, não pensa, não avalia: sente. E que se
danem o mundo, as regras, as regulações, disposições, legislações e tudo
aquilo que a mãe ensinou!
Que o mundo exploda em flores! Ser de
grandezas só vive de migalhas. Entende de lençóis iluminados pela luz do
corredor nas noites sem sono, conhece ruídos diferentes de tique-taques
e entende de cantores e poetas (escolhidos secretamente).
Interpreta as mensagens mais sutis do amado: tom de voz, espaço entre
uma e outra frase, fomes dominicais, impressões vagas de cansaço, tédio,
alegria ou saudade expressas por fungados, suspiros, desabafos,
interjeições, gestos, sons, olhares.
Mistura disposição com
vontade. Possibilidade com ânsia. Dificuldade com não querer. Em suma: é
o mais incapaz dos capazes do que há de melhor, mais lindo, legítimo e
verdadeiro.
Especialista em pretextos; modista de oportunidades;
navegante de esperanças; tecelã de ternuras; doceira de amarguras.
É furacão e chuvisco; exaltação e placidez; adivinhação e alienação;
sábia e patusca; maravilha e susto; mãe e mulher; filha e bruxa; santa e
desastrada. O único ser que topa qualquer parada não é o herói nem o
desesperado: é a mulher apaixonada.
(Enviado pelo autor ao CooJornal nº 448 da
Revista Rio Total, em 29/10/2005)
I.m. Artur da Távola
escritor, poeta, radialista
RJ
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