16/07/2024
Ano 27 Número 1.375
ARTUR DA TÁVOLA
ARQUIVO
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Artur da Távola
A MULHER E A ALIANÇA
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Existem
alguns deliciosos sinais de timidez, ademais repletos de sutileza. Adoro
os ler em mim e nas pessoas. Mas finjo não perceber. Dá-se quando alguém
entra em lugar onde há outras pessoas (elevadores, consultórios médicos,
filas, lojas etc.) e como que oculta o rosto ou parte deste com a mão.
Parece um gesto natural de coçar a face, a testa, afiar o nariz, fazer o
clássico olhar de paisagem, passar a mão por entre os cabelos ou ar de
quem a alguém procura. Outro dia, no sentido contrário ao de minha
caminhada a flanar pelas ruas do Leblon, vinha uma bela jovem. Ainda
meio longe, senti que me reconheceu. Dei uma disfarçada e ao nos
cruzarmos olhei-a naturalmente, pois na minha idade a admiração não vem
cercada nem de intenção, nem de hipótese de fruição... É puro senso
estético. Ela fez, então o inevitável e defensivo gesto de encabulamento
que consiste simular naturalidade ao arrumar o cabelo e sacudi-lo a
partir da testa e, nesse "distraído" gesto, encontrar a forma de exibir
a aliança de casada.
Ao longo dos anos, acostumei-me a ver esse
gesto que quer dizer: "Olhe, eu sou comprometida". Naquele momento,
porém, em pleno século vinte e um, quando o casamento não tem ou não
mais aparenta os rigores de então, aquela demonstração da aliança
comoveu este velho coração. Ela era do tipo bastante atual, com a roupa
airosa que caracteriza as moças moderninhas, penteado idem, e (ainda a
perdurar na memória da breve passagem) a timidez do gesto de passar a
mão pelos cabelos sedosos, exatamente com a mão esquerda, anel de casada
à mostra.
A linguagem dos gestos é rica. Nas mulheres é
milionária. Com que naturalidade passam a mão ao cabelo, jogam-no para
trás, coçam o rosto, disfarçam a timidez, e no caso das mulheres de
antigamente, ao fazê-lo, o sadio e natural orgulho de exibir a "vitória"
de uma aliança.
No gesto da moça tímida e bonita (ainda existem,
sabia?) que passou por mim e tantas outras pessoas (bem mais ávidas) e o
repetiu, brilhava um momento insuperável da beleza, recato, e natural
orgulho do eterno feminino. Poesia pura. As mulheres ficam muito mais
belas e atraentes quando cuidam de seus casamentos...
(Revista Rio Total, CooJornal nº 440, 03 de setembro/2007)
I.M. Artur da Távola
escritor, poeta, radialista
RJ
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