16/02/2024
Ano 27 Número 1.355
ARTUR DA TÁVOLA
ARQUIVO
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Artur da Távola
MANIFESTO INGÊNUO
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A poesia começa quando o poeta pensa
que acabou o poema. O poema não é a poesia. É somente um dos seus
condutores, talvez até o mais aparelhado.
Toda poesia que cede ao
poema frustra-se. Todo poema que cede ao verso, perturba-se. Todo verso que cede à beleza arrisca-se. Toda beleza que
domine o poeta ameaça-o de não alcançar a poesia.
O poema precisa
ser escravo da poesia. Deve aviltar-se, ser volúvel, hipócrita ou
solidário, mas corajoso o suficiente para compreender e aceitar o seu
lugar de coadjuvante.
Há poetas que começam e acabam seus versos
no poema e jamais atingem a poesia, mesmo utilizando-se da melhor
inspiração e de refinada linguagem.
Poesia, poema, verso e poeta
são concomitantes, contraditórios e conflituosos ao mesmo tempo.
Inimigos íntimos que se amam.
A poesia é soberana. O poema e o
verso, invejosos, ambicionam o lugar dela. O poeta é um ser carente,
aturdido e lindo, o único com permissão de levar o verso, o poema e a
beleza para o julgamento da poesia. Esta, exigente, quase sempre reprova
os vários intentos do poeta, embora jamais o proíba de dar luz ao poema.
A poesia sabe que, mesmo quando não alcançada, vislumbres do que é podem
estar presentes no poema, em alguns ou muitos versos ou nos delírios do
poeta. Por isso só interfere no seu trabalho para disparar a inspiração.
A poesia é deusa. Verso e poema são anjos: intermediários entre o
território superior e sagrado da poesia; entidades de grande valor
transitivo. Jamais verdades em si mesmas.
O poeta é o herói
mitológico. Nasce do casamento de uma deusa (a poesia), com um mortal (o
poema). É bem-vindo, porque ajuda a quase impossível compreensão do que
é a poesia. É um ser alado e bendito, amaldiçoado pela dúvida, cujo afã
é o verso e a finalidade o poema. Alça-se à procura da deusa-poesia.
Esta, somente em alguns casos e por especial concessão olímpica, se
deixa alcançar, desde que o poeta não se embebede com o verso, com o
poema ou consigo mesmo, sobretudo se for talentoso.
Poema e verso
jamais podem se arrogar a pretensão de representar com exclusividade a
poesia. São meros condutores que, ao se suporem representantes da
poesia, são por ela punidos.
A poesia é tão superior, que nem da
beleza precisa. Esta, em geral, a disfarça ou atenua. Por mais bem que
faça - e faz - a beleza é a ilusão da poesia. Só vale, quando se serve
do poema para tentar atingir a poesia. Esta só precisa de som, ritmo e
palavra por viver mais próxima da música, que do discurso.
Não é
o poeta que escolhe a poesia. Esta o escolhe sem lhe fornecer, jamais,
poderes incondicionais sobre o poema e quase sempre lhe negando a
precisão do verso; às vezes até embebedando-o com notáveis descobertas
no idioma. E quando, por ser superior, humilha, logo depois se mostra
disponível tanto melhor quanto mais fácil e desfrutável. Esconde-se onde
se revela, chegando às vezes à humildade de necessitar do poema a quem
em seguida desdenha e escarnece. A única liberdade possível ao poeta
é a de buscar a poesia.
Ela quase sempre está onde o poema a
oculta ao mesmo tempo em que a proclama.
Enviado pelo autor ao CooJornal nº 435 da
Revista Rio Total, em 30/07/2005)
I.m. Artur da Távola
escritor, poeta, radialista
RJ
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