Artur da Távola
O TESTAMENTO DA VELHINHAS
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Dois velhos
locutores de rádio conversam.
Loc 1) Você viu a história do
Astério?
Loc 2) Que história? Soube que ele morreu, coitado, e
ainda por cima na lona?
Loc 1) Não sabe dos detalhes? São
incríveis. Pois o Astério foi ser locutor ainda num tempo bom para
locutores de rádio. Possuía voz agradável, melodiosa, muita gente achava
melosa.
Loc 2) E era um pouco, cá entre nós... Que Deus o tenha.
Loc 1) Tá bem, não era uma grande voz, mas era agradável. Pois o
Astério, que veio de menino pobre e sempre ganhou muito pouco como
locutor, não casou, morava num apartamentinho seboso ali no Posto
Cinco... Ele tinha um só sonho na vida. Ocorre que o ídolo dele era o
Saint-Clair Lopes.
Loc 2 ) Qual? Aquele veterano locutor da
Rádio Nacional? O que é que ele fez?
Loc 1) Nada demais, apenas
era um homem correto, ótimo profissional, pessoa honrada. Advogava, além
de tudo. Certa vez o Saint-Clair recebeu um Oficial de Justiça com
intimação para ir a uma Vara de Família, a propósito de um testamento.
Toma então conhecimento, pelo Juiz, de que uma senhora muito rica e
solitária, afirmando ter sido por anos a fio sua ouvinte e que só ele
lhe fizera verdadeira companhia na vida solitária, lhe deixava a sua
fortuna, em agradecimento.
Loc 2) Que sensacional! Mas isso era
nos anos áureos do rádio.
Loc 1) Eu sei, mas só que o Astério
passou a vida inteira obcecado com a certeza de que o mesmo aconteceria
com ele. Até que, há duas semanas, baixou um Oficial de Justiça na casa
dele, com a citação para ir a uma Vara de Família. Nem dormiu aquela
noite. E os três dias até a audiência, passou com diarreia nervosa.
Afinal foi. Havia de fato, o legado de um testamento para ele. Sentiu-se
no céu e recompensado. O Juiz então lhe entrega um pacote de cartas.
Também era de uma velha senhora, esta pobretona e sem herdeiros, que,
comovida pela companhia feita pela voz dele em suas noites de insônia,
deixava-lhe, no testamento, todas as cartas de amor que lhe escreveu
durante quinze anos e nunca teve coragem de mandar.
Loc 2) Só
isso? Nada de grana?
Loc 1) Neca! Pô, cara, não seja tão
materialista. Afinal emocionadas cartas de gratidão transformadas em
amor são algo de muito valor humano.
Loc 2) E ele, o Astério?
Loc 1) É o que você sabe. Morreu dois dias depois.
(02 de julho/2005) CooJornal no 427
Artur da Távola
escritor, poeta, radialista
RJ
Enviado pelo autor ao CooJornal nº 427 da Rio Total, na data citada.
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