10//12/2005
Número 454
ARTUR DA TÁVOLA
ARQUIVO
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Artur da Távola
FRUSTRAÇÃO OU ARREPENDIMENTO
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Optar é renunciar a uma parte de um todo muito complexo. Entregar-se, por
exemplo, a um amor, é abandonar outros de natureza diferente. Sim, amor no
singular só existe em certos casos. Mas existe e resiste. Quase se pode dizer
que não há amor: há amores de diferentes tessituras e sabor. São paralelas
múltiplas, que só se encontram no infinito. Por isso, os casos de amor vivem
rondados por frustração ou arrependimento. Não o amor, que é íntegro,
irrefutável, cristalino e indubitável, mas sim os amantes, seus portadores. O
tamanho do amor é quase sempre maior que o dos amantes.
Enredada teia
de limitações cerca as pessoas que se amam, o que as leva à disjuntiva:
frustração ou arrependimento. Ou quem ama tudo entrega ao sentimento e se
atira nos braços do outro para, depois, se arrepender de, pelo menos, parte
significativa do que abandonou (inclusive a liberdade). Ou se afasta, cheio de
lucidez, para, adiante, sentir frustração pelo que deixou de viver. Constata,
agora frustrado, que a sua liberdade estava é no amor...Tudo isso me lembra
uma frase de Goethe, cruel, mas lúcida: "no amor, ganha quem foge...” Ou, como
corrigiu o falecido, querido amigo e grande amorólogo Orizon Carneiro Muniz:
"no amor, é mais forte quem cede".
Na juventude (idade da maioria dos
casamentos), as coisas são mais difíceis por ser uma etapa da vida envolta em
névoa amorosa, que torna radical a busca da felicidade. O jovem ainda não se
defrontou com as dilacerantes divisões internas de que é feita a tarefa de
viver e amar, aceitando as próprias limitações, confusões, os caminhos
paralelos e contraditórios das escolhas, dentro de um todo que, para se
harmonizar, precisa viver as divisões, os sofrimentos e os açoites das
mentiras e enganos, condutores de nossas verdades mais profundas.
Séculos de repressão do corpo e de identificação do prazer com o pecado ou o
proibido fizeram uma espécie de cárie na alma. É um buraco, um vazio, uma
impossibilidade viver o que se quer, uma certeza antecipada de que o amor
verdadeiro gera ou arrependimento ou frustração. Viver implica, pois, aceitar
essa dolorosa e desafiante tarefa: a de enfrentar o amor como a maior das
maravilhas e que se nos apresenta sob a forma de enigma.
Tudo o que se
move dentro do amor está carregado de enigmas. E com o enigma dá-se o
seguinte: enfrentá-lo não é resolvê-lo. Mas, quando não se o enfrenta, ele
(enigma) nos devora. Enfrentar o enigma, mesmo sem o deslindar, é aquecer e
encantar a vida, é aprender a viver; é amadurecer. Exige trabalho interior
penoso, grandeza, equilíbrio e autoconhecimento. O contrário disso não é
viver: é durar.
I.M. Artur da Távola
escritor, poeta, radialista
RJ
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