01/01/2022
Ano 24 Número 1.254
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Antonio Nahud
A INTIMIDADE SEGUNDO ANDRÉ TÉCHINÉ
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Sou apreciador de ANDRÉ TÉCHINÉ, um dos
grandes realizadores franceses vivos, nascido em 1943. Desde os anos 80, ele
se revela um irrepreensível estudioso das relações amorosas. São dele “Hotel
das Américas”, “Rendez-Vous” e “Rosas Selvagens”, excelentes melodramas feitos
de imagens inesquecíveis. Depois de “Alice e Martin”, o cinema de Techiné,
fundamental, por vezes ríspido, sempre de matriz clássica, perdeu um pouco de
sua força. Em 2007, mostrou que ainda tinha algo a dizer com “As Testemunhas”,
um vigoroso tratado sobre a Aids, reafirmando a singularidade e a riqueza de
sua obra. Mas o mesmo não se repetiu no seu longa mais recente, “Imperdoáveis
/ Impardonnables” (2011), onde um escritor (André Dussollier) se recolhe em
Veneza para escrever e conhece uma agente imobiliária (Carole Bouquet) que lhe
desvia a atenção da escrita. O seu envolvimento vai desenvolver-se num duplo
sentido: lidando com a surpresa do amor e enfrentando as dúvidas sociais ou
familiares que a sua ligação suscita.
O primeiro filme desse ex-crítico
da revista “Cahiers du Cinéma” passou despercebido. Os três seguintes,
sobretudo “Barocco”, um elegante exercício de estilo no qual a cor exerce um
papel importante, provocaram muitos elogios. Para ANDRÉ TÉCHINÉ, o desenrolar
de uma história deve ser concebido como uma justaposição de sequências fortes.
Autor de uma filmografia respeitada, tornou-se internacionalmente reconhecido
ao vencer o prêmio de direção no Festival de Cannes, em 1985. Durante muito
tempo alternou-se entre o teatro e cinema, ao mesmo tempo em que lecionava.
Cineasta perfeccionista e surpreendente, atraído pelo melodrama, faz da
sinceridade o princípio nada ingênuo, e até mesmo incômodo, da dramaturgia.
Homossexual assumido, ele filma num tom que combina a crônica social e a
contemplação mais íntima, de acordo com uma lógica melodramática que o coloca
na linhagem de Max Ophuls, Jean Renoir, Douglas Sirk ou François Truffaut.
A filiação do cineasta nesse espaço do melodrama, quer dizer, num sistema
de narrativas em que as componentes afetivas se expõem sempre como elementos
de uma complexa dinâmica social intimista, jamais beira o superficial ou o
tosco. Afirmo isso, ao recordar o crítico português João Lopes: "a degradação
“telenovelesca” se exprime através de um contínuo desrespeito pelo classicismo
melodramático cinematográfico". Assim, por exemplo, após o êxito das
telenovelas, desde o mais banal senso comum até alguns discursos
jornalísticos, a palavra melodrama passou a ser associada a um
convencionalismo leviano e anedótico. E citando outra vez João Lopes: "Como
todos os preconceitos, também este se alimenta de uma imensa ignorância
histórica: como entender a história do cinema sem considerar a beleza e a
inteligência dos seus melodramas? De David W. Griffith a Rainer Werner
Fassbinder, passando por William Wyler, Vincente Minnelli ou Luchino Visconti,
a escrita melodramática constitui um patrimônio de fascinante riqueza e
complexidade, continuando a questionar-nos e, em particular, a questionar a
nossa relação com o presente". Portanto, acima de preconceitos tolos, o
melodrama nunca deixou de ter o seu espaço primoroso e o cinema de ANDRÉ
TÉCHINÉ, íntimo e pessoal, prova isso.
10 FILMES DE TÉCHINÉ
(01) BAROCCO (Idem, 1976) Com Isabelle Adjani, Gérard Depardieu,
Marie-France Pisier e Jean-Claude Brialy
Um jovem casal (Laure e
Samson, um boxeur) desloca-se para um porto do norte da Europa, durante uma
campanha eleitoral. Samson é assassinado. O assassino apaixona-se por Laure
que termina por aceitá-lo, na condição de que ele se pareça e se comporte como
o namorado dela que ele matou.
(02) AS IRMÃS BRONTE (Les
Soeurs Bronte, 1979) Com Isabelle Adjani, Marie-France Pisier, Isabelle
Huppert, Pascal Greggory e Jean Sorel
Na Inglaterra do início do
século XIX, as três irmãs Brontë - Charlotte, Emily e Anne - praticam
assiduamente a escrita e seu irmão, Brandwell, é um pintor de temperamento
apaixonado. Charlotte é a única a conhecer o sucesso literário, após ter visto
morrer, seu irmão e depois suas irmãs.
(03) HOTEL DAS AMÉRICAS
(Hôtel dês Amériques, 1981) Com Catherine Deneuve e Patrick Dewaere
O primeiro trabalho do diretor com a sua atriz preferida, Catherine Deneuve.
Em Biarritz, tarde da noite, no contorno de uma rua, Hélène cruza o caminho de
Gilles. Ela conduz um carro. Ele atravessa a rua. E o acidente acontece, sem
gravidade, sem outra consequência se não reunir, de modo brutal e fortuito,
dois mundos distantes, estranhos um ao outro. A partir do encontro, ele se
entrega a uma busca obstinada para reencontrá-la, mas ela foge dele. O que se
esconde por trás da beleza luminosa, dos silêncios constrangidos, das
expressões distraídas desta desconhecida, encerrada numa solidão que nada, nem
ninguém parece poder romper?
(04) RENDEZ-VOUS (Idem, 1985)
Com Lambert Wilson, Juliette Binoche, Wadeck Stanczak e Jean-Louis Trintignant
Melhor Diretor no Festival de Cannes. Jovem atriz, Nina chega a Paris com
sede de sucesso. Guiada pelo instinto, navega solitária, ao acaso, conhecendo
pessoas. Pelo caminho cruza com Paulot, empregado de uma agência imobiliária,
que a ajudará a se instalar. Nina gostaria que a relação entre eles fosse
fraternal, mas Paulot não sente o mesmo e passa a nutrir por ela um sentimento
até então desconhecido, um amor desmesurado e cego. Quentin, ator fracassado,
irá atravessar a vida de Nina como um raio, mas voltará para assombrá-la com
seu temperamento ruim. Scrutzler será a terceira figura que entrará na vida da
garota. Diretor de teatro inflexível e experiente, ele saberá como levá-la a
descobrir seu talento de atriz.
(05) NÃO DOU BEIJOS
(J’embrasse Pas, 1991) Com Philippe Noiret, Emmanuelle Béart e Manuel Blanc
Um jovem provinciano, ingênuo e inexperiente, vai viver em Paris em busca
do sonho de ser ator e acaba por se prostituir.
(06) MINHA
ESTAÇÃO PREFERIDA (Ma Saison Préférée, 1993) Com Catherine Deneuve e
Daniel Auteuil
Um dos maiores sucessos de público e crítica da carreira
do diretor. Um irmão e uma irmã se reencontram a partir do momento em que a
mãe perde a lucidez e finalmente a vida. Entre a vertigem do encontro e a dor
da separação vindoura, eles tomarão enfim consciência de seus verdadeiros
lugares no mundo.
(07) ROSAS SELVAGENS (Les Roseaux
Sauvages,1994) Com Élodie Bouchez, Gaël Morel e Stéphane Rideau
César de Melhor Diretor. Um dos filmes mais marcantes dos anos 90. Maïté,
Serge, François e Henri, um argelino exilado, moram numa pequena cidade do
sudoeste da França. Eles se preocupam com a guerra da Argélia e com o
vestibular. Nas margens do rio Garonne, no meio dos roseirais selvagens, eles
expõem, com paixão, ideias políticas e sentimentos.
(08) OS
LADRÕES (Les Voleurs, 1996) Com Catherine Deneuve, Daniel Auteuil,
Laurence Côte e Benoit Magimel
Reencontro do trio que fez “Minha
Estação Preferida”: o diretor e os atores Catherine Deneuve e Daniel Auteuil.
Um tira se envolve com a namorada do irmão, um gângster que acabou de ser
assassinado, e também com a amante dela, uma bela e madura professora. O filme
provocou escândalo pelas tórridas cenas lésbicas protagonizadas por Deneuve.
(09) ALICE E MARTIN (Alice et Martin, 1998) Com Juliette
Binoche, Alexis Loret, Mathieu Amalric e Carmen Maura
Martin mata o
pai. Para fugir ao escândalo e à vergonha, a família instaura a lei do
silêncio. O crime é apagado, transformado em acidente. Ele se muda para Paris
e conhece Alice, uma violinista. Com a ajuda dela consegue evitar as
recordações do ato que cometeu. Vão viver juntos, amam-se e são felizes, até o
momento em que ela engravida e ele entra numa depressão profunda e começa a
ser perseguido pelo seu passado. O crime que praticou volta e não o abandona.
Martin não poderá ser pai dos seus filhos se não aceitar ter sido filho do seu
pai. Poderá Alice fazer alguma coisa para evitar que ele ceda à loucura?
(10) AS TESTEMUNHAS (Les Témoins, 2007) Com Michel Blanc,
Emmanuelle Béart e Sami Bouajila
Manu, um jovem interiorano que chega a
Paris para reencontrar a irmã, estudante de canto lírico, descobre os prazeres
do sexo sem compromisso nos pontos de encontros gays. Conhece um médico de
meia-idade, que logo se deixa seduzir pelos encantos do rapaz. Mas será com o
policial Mehdi que Manu terá uma relação amorosa inesperada. Mehdi é casado
com Sarah, uma escritora de livros infantis que acabou de ter um bebê, e os
dois têm uma vida sexual liberal. Contudo, quando Manu descobre-se com o vírus
da Aids (e o progressivo surgimento das doenças oportunistas), a vida de todos
é abalada.
(RT, 01 de março/2013) CooJornal nº 829
Antonio Naud é escritor, assessor literário, cineasta
RN
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