01/05/2022
Ano 25 Número 1.270
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Antonio Nahud
A LÍNGUA MORTÍFERA
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Um
leitor disse-me que os nossos jornalistas parecem disputar um enfadonho
campeonato com a finalidade do troféu “o mais impessoal”. Fiquei estupefato
com tamanha lucidez, afinal ele não tem mais de 15 anos. Dias depois, outro
comentário agudo dizia que polêmica inteligente é tabu nestas bandas de
Gregório de Mattos: “são jornalistas que provocam sonolência; estão apenas
preocupados em bater o seu ponto rapidinho na redação para agarrar a primeira
assessoria de comunicação que surgir”, finalizou. Lembrei-lhe vários
profissionais competentes e ele respondeu que eu confundia alhos com bugalhos.
“Quero rebeldia, linguagem acesa, uma evidente necessidade de escrever e
informar”. O recado estava dado. Realmente a nossa imprensa, com algumas
exceções, óbvio, é partidária, insossa, sem o viço das iconoclastia e
contracultura. Culpa dos editores, dos salários ruins, dos releases que
viciam? Talvez só uma certa classe de leitores perca com isso. Talvez tais
jornalistas vejam como ridícula a preocupação do “autoral”, prefiram o morno,
o sóbrio, o neutro. Nada de não deixar pedra sobre pedra. Por que acumular
inimigos pela vida afora? Eu pessoalmente sou da turma que admira os
jornalistas incapazes da indiferença e oriento o meu trabalho nessa ótica:
escrevo uma linguagem lúdica dando estocadas violentas. Não me interessa
escrever como todo mundo. Se bem que nunca fiz uma militância jornalística
típica, agindo quase sempre pela via da cultura e da arte. Uma escolha
pessoal, já que sou escritor. E ninguém é expert em todos os assuntos, mas o
jornalismo é apenas uma questão de técnica, observação, informação, pesquisa e
talento para a escrita. Pedro Bial disse algo parecido um dia desses. Juro que
fico feliz quando toco a sensibilidade do leitor. Então calma, não esperneie
tanto, diria uma amiga querida que conhece Salvador muito bem, concluindo:
“Você pode acabar sendo queimado. A verdade nem sempre é bem vista por aqui e
muita gente capacitada está enterrada viva no silêncio alheio”. Não importa,
sei o que quero: espaço para a minha literatura. E o jornalismo? Sim, sou
jornalista, mas não do tipo escrita-Lexotan. Penso em David Nasser, tão
esquecido e humilhado hoje, criticando a construção de Brasília e a inflação
que gerou daí, tornando o presidente Juscelino Kubitschek seu inimigo, ou
quando invadiu os subterrâneos da maçonaria, até então um mistério total.
Escândalo total! Foram reportagens realmente sensacionais. Hoje preferem o
sensacionalismo; são pseudo-jornalistas que gritam e acusam somente para
receberem algo em troca para calar a boca ou votos nas próximas eleições.
Dificilmente há possibilidade para a inovação e a sinceridade, e mesmo assim
continuo acreditando na utopia da língua mortífera, do cuspir fogo e até mesmo
do deboche de um H. L. Mencker. Como dizia Paulo Francis no Diário da Corte,
“é bom ter espaço para resistir aos avanços da horda”. Mesmo frequentemente
injusto, contraditório e preconceituoso, Francis escrevia muito bem, apostando
num jornalismo analítico, culto e inquietante. Fiquei contente ao descobrir
que ele tinha como filme favorito o mesmo que está no topo da minha lista, o
verborrágico A Malvada (All About Eve, 1950), de Mankiewicz. E para terminar
este manifesto contra o tédio na nossa mídia, continuo citando o homem que
brigou com Caetano Veloso e meio mundo, muitas vezes com razão: “Pôncio
Pilatos perguntou a Jesus Cristo o que é a verdade, Jesus não respondeu. Nem
eu”.
(RT, 23 de abril/2004) CooJornal nº 365
Antonio Naud é escritor, assessor literário, cineasta
RN
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