Antonio Nahud
A CONSCIÊNCIA SEM COR EM BUSCA DE SUA IDENTIDADE
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O
que devemos entender por racismo? A questão pode ser facilmente identificada
em países, digamos, como os Estados Unidos da América, cuja resistência de
setores à integração racial é explícita. Não é fácil de responder quando se
trata do nosso Brasil, meu caro leitor. Aqui o próprio conceito de raça é
complicado, destacando-se a Bahia, cuja capital é a segunda cidade do mundo
com o maior número de negros. É uma questão de intimidade afetuosa e permitida
um preto ser chamado de negão, não um desprezo enrustido. As ambiguidades são
sedutoras, infames são os germes de intolerância como também de oportunismo, e
o pior é que essas inclinações sobrevoam muitas cabeças. Uma tristeza.
Sutilmente, serpenteia-se entre nós a revisitação neo-fascista, reciclagem
conservadora e atrasada em que os pastiches copiam a si mesmos. Numa sociedade
cafajeste, um movimento contra o embuste soa grotesco e ingênuo. Em cada
coração mora o bizarro, e o fundamental é educá-lo ou mesmo ridicularizá-lo,
gozando da cara dos nossos enigmas mal-resolvidos. São muitas as afirmações
que desafirmam ou desafirmações que afirmam; ideias insólitas que entram e
saem e entram; pistas que vão do nada para coisa nenhuma. Precisamos refletir
sempre.
Uma boa parte da raça negra afirma que sempre teve um grande
complexo de inferioridade. Possivelmente têm origem no passado escravocrata,
ofensivo, e no conceito branco de considerar negros seres inferiores. É
inacreditável, mas inclusive muitos negros caíram durante muito tempo nesse
conto do vigário. Partindo para a literatura, que é a minha praia, meu leitor,
nos anos cinquenta o preto Ralph Ellison escreveu o magistral Homem Invisível,
um livro que permanece no topo da melhor literatura, discute a alienação
social e trata o racismo de forma contundente. Só ganhou edição brasileira em
1990, pela Editora Marco Zero. Mais de trinta anos após o seu lançamento
Machado de Assis, um dos nossos maiores escritores, autor de dois ou três
clássicos presentes em qualquer lista nacional por sua importância, nunca
assumiu a condição de mulato. Recentemente, Paulo Lins surgiu com garra, mas
precisamos de muitos outros escritores e poetas negros de qualidade a toda
prova.
Com raras exceções, quanto mais escura a pele, menor é a chance
de representar um papel fundamental no mundano. Fecham-se inesperadamente as
portas que levariam ao caminho da prosperidade, da sabedoria ou mesmo do
status almejado por um batalhão de hipnotizados, brancos e negros. Seria o
caso de perguntar se existe um preconceito racial velado em uma maioria de
corações? Não quero pensar nessa opção que fere sensibilidades. Certa vez, uma
vizinha idosa e solitária, muito doente, recusou-se a ser cuidada por
enfermeiras negras. Uma agressividade maluca, um erro estratégico irracional.
A solução não me parece o separatismo, o gueto, como parece defender os que se
“intitulam amigos da causa negra”; melhor a participação do negro em igualdade
de direitos na formação de uma política cultural justa. Em muitos países
civilizados, embora ainda lentamente, negros assumem posições de lideranças em
todos os campos profissionais, da política às artes. E merecemos, sim senhor.
Gilberto Gil como Ministro da Cultura demonstra que as coisas estão mudando
também no Brasil. Já se foi o tempo do ministério de fachada do Pelé, que não
passava de um garoto-propaganda do governo, potenciando a imagem de que os
negros só são bons como jogadores de futebol ou coisa desse estilo. Mas não me
venham com a tal “consciência negra”, “identidade de pele” ou o patético
“afro-brasileiro”. Guetos me lembram campos de concentração, ou seja,
extermínio radical. O negócio é misturar, fazer da vida uma salada de frutas.
O mundo é um mercado de farsantes. O truque do politicamente correto é
mais um produto babaca, armação para vender jornais. Tudo bobagem, caro
leitor, nada mais do que bobagem. O importante é respeitar o próximo e sua
forma de viver, nada mais. Para isso, atropelemos sem piedade a mediocridade
existencial. O resto não é silêncio, somente especularização barata.
(RRT, CooJornal nº 336, 16 de outubro, 2003)
Antonio Naud é escritor, assessor literário, cineasta
RN
Antonio Júnior segue a caminhada de escritores como Bruce Chatwin, François
Augiéras e Paul Bowles. Viaja por diversos países, fotografando e escrevendo
um diário de viagem. Escreve para as revistas Go (Barcelona), Veludo (Lisboa),
Simples? (SP) e é correspondente do jornal A Tarde (Salvador, Bahia).
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