Antonio Nahud
Pequenas Histórias
Sobre o Delírio Peculiar Humano nº 07
AS SOMBRAS SÃO TÃO IMPORTANTES QUANTO A LUZ
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Seus casos
amorosos, banais e muitas vezes ridículos, não iam além de alguns encontros,
noitadas por vezes divertidas e nomes esquecidos com o passar dos dias.
Garibaldi programara-se desde jovem para fisgar o par ideal, terminar os seus
dias numa união leal e companheira. Sabia que iria encontrá-la em qualquer
curva do caminho, consciente da seriedade de seus sentimentos e propósitos.
Infelizmente, por volta dos 35 anos, aceitou o rude golpe do destino: a
solidão certa e exata. Deixou de freqüentar festas e bares, não olhava mais os
homens com intenções cândidas e sublimou a frustração amorosa através da
profissão, dedicando muitas horas diárias ao ensino de economia numa
universidade particular. Não tinha nenhum pendor doméstico, almoçando fora e
deixando a limpeza do confortável apartamento por conta de uma diarista que
fazia questão de não encontrar. Os poucos amigos se incomodavam com sua
amargura, desencanto e agressividade latente. Aos 42 anos, gastava a energia
sexual ansiosa e enfermiça com garotos de programa selecionados em anúncios de
classificados. Nunca levou nenhum deles para o belo apartamento, evitava
meiguices e ao terminar a façanha erótica, abandonava imediatamente o motel,
deixando as notas dobradas embaixo do cinzeiro. Ciente do seu azar, tirou
férias de dois meses numa Roma que não conhecia e onde não queria conhecer
ninguém. Não fez nenhum programa turístico planejado, não tirou fotografias,
não mandou cartões-postais ou e-mails. “O que faço neste mundo?“, era a única
frase lógica que passava por sua cabeça. Sem rugas, com um corpo agradável e
uma inteligência acima da média, não gostava de música, cinema, poesia ou
qualquer coisa que rasgasse o véu das aparências e revelasse o coração das
coisas. Era um vassalo da dor contida, sentia-se um injustiçado. Até mesmo os
seus amigos mais vigaristas e frívolos colecionavam histórias de amor. Num
domingo quente, trancado no quarto com ar condicionado, ligou para a
tele-pizza. Foi quando conheceu o insosso Emanoel, vinte e dois anos mais novo
do que ele. Três dias depois o garoto já tinha a chave do apartamento. O
rapaz, não era um escroque, confessou seu noivado e a pretensão de se casar
brevemente, também deixando claro que não suportava a penetração sexual e não
fazia questão de conhecer os amigos do amante. Emanoel nunca ouviu falar em
nenhum dos economistas que ele admirava e achava o pagode a melhor coisa do
mundo, depois dos automóveis. “Não quero que me ensine nada. Há coisas que eu
sei que você não sabe e eu não vou chateá-lo com isso. Por exemplo, entende
alguma coisa de automóveis?“, cortou quando Garibaldi tentou matriculá-lo num
cursinho. Ele não se tornou mais feliz e inclusive evitava pensar que quando
entrou na universidade Emanoel nem havia nascido. Quando soube que era mais
velho que a mãe dele, deprimiu-se. Quase não conversavam, devorados pela
disparidade de referências. O jovem passava horas dormindo ou vendo filmes
pornôs no canal a cabo pago, que o professou instalou para fazer sua vontade.
Garibaldi passou a telefonar para os velhos amigos falando maravilhas do
entregador de pizza. Este nunca a convidou para qualquer divertimento a dois,
viviam trancados no quarto, mudos, e quando conversavam, os assuntos giravam
em torno da família aborrecida da noiva ou do cotidiano profissional dele.
Todos os finais de semana partia para a casa de praia de Florinda, a jovem
mulher que seria sua esposa, e Garibaldi enchia a cara, visitando amigos
incomodados com a sua presença melancólica. Sem um sorriso no rosto duro,
contava do companheiro protetor e quase menino, acrescentando: “Se a Marília
Gabriela pode, por que eu não?“. Os amigos não faziam pilhérias, incrédulos da
veracidade do fato e certos de seu desequilíbrio mental.
06 de julho/2002 RT, CooJornal nº 266
Antonio Naud é escritor, assessor literário, cineasta
RN
Antonio Júnior segue a caminhada de escritores como Bruce Chatwin, François
Augiéras e Paul Bowles. Viaja por diversos países,
fotografando e escrevendo um diário de viagem. Escreve para as revistas Go
(Barcelona), Veludo (Lisboa), Simples? (SP) e é correspondente do jornal A
Tarde (Salvador, Bahia).
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