16/04/2024
Ano 27
Número 1.361


 

 

ARQUIVO
ANTONIO NAHUD

Antonio Nahud



Pequenas Histórias Sobre o Delírio Peculiar Humano
nº 07

AS SOMBRAS SÃO TÃO IMPORTANTES QUANTO A LUZ


 

Antonio Nahud - CooJornal

Seus casos amorosos, banais e muitas vezes ridículos, não iam além de alguns encontros, noitadas por vezes divertidas e nomes esquecidos com o passar dos dias. Garibaldi programara-se desde jovem para fisgar o par ideal, terminar os seus dias numa união leal e companheira. Sabia que iria encontrá-la em qualquer curva do caminho, consciente da seriedade de seus sentimentos e propósitos. Infelizmente, por volta dos 35 anos, aceitou o rude golpe do destino: a solidão certa e exata. Deixou de freqüentar festas e bares, não olhava mais os homens com intenções cândidas e sublimou a frustração amorosa através da profissão, dedicando muitas horas diárias ao ensino de economia numa universidade particular. Não tinha nenhum pendor doméstico, almoçando fora e deixando a limpeza do confortável apartamento por conta de uma diarista que fazia questão de não encontrar. Os poucos amigos se incomodavam com sua amargura, desencanto e agressividade latente. Aos 42 anos, gastava a energia sexual ansiosa e enfermiça com garotos de programa selecionados em anúncios de classificados. Nunca levou nenhum deles para o belo apartamento, evitava meiguices e ao terminar a façanha erótica, abandonava imediatamente o motel, deixando as notas dobradas embaixo do cinzeiro. Ciente do seu azar, tirou férias de dois meses numa Roma que não conhecia e onde não queria conhecer ninguém. Não fez nenhum programa turístico planejado, não tirou fotografias, não mandou cartões-postais ou e-mails. “O que faço neste mundo?“, era a única frase lógica que passava por sua cabeça. Sem rugas, com um corpo agradável e uma inteligência acima da média, não gostava de música, cinema, poesia ou qualquer coisa que rasgasse o véu das aparências e revelasse o coração das coisas. Era um vassalo da dor contida, sentia-se um injustiçado. Até mesmo os seus amigos mais vigaristas e frívolos colecionavam histórias de amor. Num domingo quente, trancado no quarto com ar condicionado, ligou para a tele-pizza. Foi quando conheceu o insosso Emanoel, vinte e dois anos mais novo do que ele. Três dias depois o garoto já tinha a chave do apartamento. O rapaz, não era um escroque, confessou seu noivado e a pretensão de se casar brevemente, também deixando claro que não suportava a penetração sexual e não fazia questão de conhecer os amigos do amante. Emanoel nunca ouviu falar em nenhum dos economistas que ele admirava e achava o pagode a melhor coisa do mundo, depois dos automóveis. “Não quero que me ensine nada. Há coisas que eu sei que você não sabe e eu não vou chateá-lo com isso. Por exemplo, entende alguma coisa de automóveis?“, cortou quando Garibaldi tentou matriculá-lo num cursinho. Ele não se tornou mais feliz e inclusive evitava pensar que quando entrou na universidade Emanoel nem havia nascido. Quando soube que era mais velho que a mãe dele, deprimiu-se. Quase não conversavam, devorados pela disparidade de referências. O jovem passava horas dormindo ou vendo filmes pornôs no canal a cabo pago, que o professou instalou para fazer sua vontade. Garibaldi passou a telefonar para os velhos amigos falando maravilhas do entregador de pizza. Este nunca a convidou para qualquer divertimento a dois, viviam trancados no quarto, mudos, e quando conversavam, os assuntos giravam em torno da família aborrecida da noiva ou do cotidiano profissional dele. Todos os finais de semana partia para a casa de praia de Florinda, a jovem mulher que seria sua esposa, e Garibaldi enchia a cara, visitando amigos incomodados com a sua presença melancólica. Sem um sorriso no rosto duro, contava do companheiro protetor e quase menino, acrescentando: “Se a Marília Gabriela pode, por que eu não?“. Os amigos não faziam pilhérias, incrédulos da veracidade do fato e certos de seu desequilíbrio mental.


06 de julho/2002
RT, CooJornal nº 266




Antonio Naud é escritor, assessor literário, cineasta
RN

Antonio Júnior segue a caminhada de escritores como Bruce Chatwin, François Augiéras e Paul Bowles. Viaja por diversos países, fotografando e escrevendo um diário de viagem. Escreve para as revistas Go (Barcelona), Veludo (Lisboa), Simples? (SP) e é correspondente do jornal A Tarde (Salvador, Bahia).


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