Antonio Nahud
SEMPRE AOS DOMINGOS
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Todos os
domingos mergulho num tédio existencialista. Não quero conversas, cismo com o
telefone e ouço jazz de forma ausente. Praias e bares nem pensar, prefiro
balançar-me na rede ou ler Sartre: “Ser livre é correr o perpétuo risco de ver
suas ações fracassarem e a morte destruir o projeto”. É uma obediência cega
aos caprichos do coração e aos encantos da solidão, que na verdade,
transformam-se em desencantos. Sempre aos domingos estou etéreo, mesmo quando
uma leve chuva refresca o dia quente. Ronda um sentimento metafísico. Em São
Paulo pegava o metrô, sem destino, durante horas. Em Madri, rodava pelo imenso
parque do El Retiro, até encontrar trilhas sem a presença humana. Gostava dos
domingos de Sintra, caminhando pela flora exuberante dos jardins do palácio da
Penha. Eu e o canto dos pássaros, o zumbido de abelhas e um livro de poesias.
Realmente aos domingos parece que alguma coisa faz falta. Sinto desconforto.
Então remexo papéis, recortes de jornais, diários, álbuns fotográficos, releio
velhas cartas de amor.
Foi num domingo que encontrei um conto que nem
tinha mais ideia, Isolda Abandonada, Tristão Sonhando com Anjos, que escrevi
em Edimburgo. Fala de amor e desencontro. Num domingo, identifiquei-me com o
personagem central do filme The Voyager, de Volker Schlondorff, adaptação de
uma novela de Max Frisch. É um engenheiro, indiferente, que vive de passagem
por aeroportos, estações de trem e cidades vazias. Quando encontra o amor, é
tarde demais. Cheguei a pensar no amor como uma invenção literária, adotado
pela música e cinema. Hoje creio no amor, mesmo sabendo das dificuldades em
encontrá-lo e, quando surge, das dores e tormentos que daí podem rebentar. Li
em algum lugar que o amar não é a ligação singular que se imagina, mas uma
emoção estranha, melhor guardada na memória e até mesmo melhor sentida quando
não correspondida, na ausência do bem-amado. Poucas histórias de amor são
satisfatórias, afinal a vida está longe do final feliz das telenovelas.
Penso que o amor é uma espécie de descarga elétrica, envolvendo questões
como desejo, amizade, aceitação, cumplicidade e sensibilidade. A certeza de um
mundo oco de sentido, tem me levado a preocupações românticas. Seria capaz de
um amor tão desesperado como o de Heathcliff por Cathy em O Morro dos Ventos
Uivantes? Seria possível perder-me de amor como Camille Claudel por Rodin,
terminando num hospício até o fim? Acredito que sim. Eu sinto uma profunda
falta do amor aos domingos. Talvez o amor mais amplo, solidário, universal. A
humanidade parece-me cada vez mais indiferente, cruel e fátua. É o preço que o
escritor paga por procurar enxergar facetas ocultas do cotidiano.
Ah,
caro amigo, talvez seja uma estupidez falar de amor nos dias de hoje. Dentro
desse desconforto inseparável seria mais justo pensar na fome, no desemprego,
na violência, na corrupção, no esnobismo. Há contradições, sempre. Resigno-me
a um café sem açúcar e a ouvir Chet Baker cantando My Funny Valentine. Na
verdade, sou um aprendiz, nada sei sobre o amor alucinógeno e a humanidade
alucinada. Mas o meu olhar, entre o cálido e o melancólico, pede humildemente
perdão pelas minhas irresponsabilidades emocionais, os impulsos da libido, os
artefatos do prazer. Não há saída. Expulso do céu, caio e caio e caio através
das horas lânguidas e nebulosas dos domingos.
(RT, 25 de maio/2002,
CooJornal nº 260)
Antonio Naud é escritor, assessor literário, cineasta
RN
Antonio Júnior segue a caminhada de escritores como Bruce Chatwin, François
Augiéras e Paul Bowles. Viaja por diversos países, fotografando e escrevendo
um diário de viagem. Escreve para as revistas Go (Barcelona), Veludo (Lisboa),
Simples? (SP) e é correspondente do jornal A Tarde (Salvador, Bahia).
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