Antonio Nahud
Pequenas Histórias Sobre o Delírio Peculiar Humano
05. TENTATIVA DE CONTROLE
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Sentado na poltrona, os olhos pregados na pequena tela. Tudo parece suspenso.
Uma mariposa negra e prata dança em volta da luminária, provocando curtos de
luz e sombras. É o momento em que a caravana comandada por Henry Fonda entra
no acampamento miserável californiano, numa fotografia expressionista de Gregg
Toland de encantar os olhos. Ele está desligado, não faz diferença o que passa
na tevê. É como se todos os objetos se movimentassem e ele estivesse imóvel.
Acabara de matar uma mulher, sufocando-a com um travesseiro de penas de ganso.
Estela, com quem vivera nos últimos quatro anos, costumava
compartilhar conversas humoradas, untadas com malícia. O contato diário,
cotidiano, deixava-o inflamado de desejo, viciado no cheiro dela, na forma
como caminhava com passos curtos e silenciosos. Não conseguia ficar muitas
horas sem ela, inclusive fazendo questão de levá-la e apanhá-la no trabalho;
iam jantar em restaurantes caros, pegavam um cinema. Vivia para vê-la de
lábios sutilmente pintados, virtuosa, entregando-se com uma tímida relutância.
Antes de matá-la, nada disse para a mulher amada, não deu qualquer
explicação. Os olhos de lamparina se apagaram e nem ao menos chorou, deixando
o corpo sem vida jogado na cama e dirigindo-se à poltrona, sabendo que não
valeria a pena perder a cabeça.
Está saturado de sensações. Está
exausto. Como poderá superar essa dor que congela o seu coração? Poderia ter
perguntado: "Minha filha, por que não recusou as investidas sexuais daquele
médico de brinco na olheira e cabelo comprido?". Preferiu não ter um ritual,
apenas uma conclusão. Daí o salto inesperado em cima dela, a morte rápida, o
vermelho-vivo de um grito sem voz. Ela sempre criticava o colega do hospital,
onde trabalhava como enfermeira-chefe. Sendo honesto por natureza, não via a
causa de tanta implicação. "Ele fez alguma proposta indecente para você?".
"Oh, claro que não, questiono a competência da sua atuação profissional".
"Deixe-o em paz, cuide do seu serviço e não quero saber histórias de um homem
que nunca vi", concluiu. Estela não voltou a tocar no nome do possível amante,
mas não conseguiu evitar um frágil nervosismo, uma hesitação ao deixar o carro
do marido, atravessar a rua e pegar o corredor que a levaria ao seu setor.
Ele acostumou-se a dar voltas no quarteirão, imaginando em que andar eles
se encontravam às escondidas. Na festa de final de ano, quatro meses passados,
ela bebeu demais, enchendo uma taça de vinho branco atrás da outra. "Eu quero
estar para sempre com você, querido" - disse no meio de frases confusas. Ele
passou os olhos por todos os homens presentes, uns vinte, e soube sem qualquer
dúvida quem era o rival, um bonitão de cabelos nos ombros, grisalhos. Olhou-o
incisivamente, o outro cumprimentou com a cabeça, sorriu com delicadeza e
abraçou uma senhora bonita enfeitada com um vestido extravagante. Ligou os
fios, certificando-se da situação. "Você quer ir embora, não?" - perguntou.
"Não me sinto bem nessas ridículas confraternizações. São encontros falsos,
intolerantes, onde os nossos companheiros e a nossa forma de vestir na
privacidade são analisados impiedosamente. É muita gentileza da sua parte
acompanhar-me, eu não saberia como comportar-me sem você". "Eu ainda sou o seu
marido".
Ao levantar-se, ajeitou a saia, pegou a bolsa, e seus olhos
perderam-se em algum ponto do salão de baile. Pareceu decepcionada, exposta
como se estivesse nua, o corpo curvando-se em certos pontos. Sem
transformações, segurou-a firme pela mão e encaminharam-se para a porta de
saída. O mundo afundava, pois tinha certeza da traição. O nó na garganta
triturava palavras.
Em casa, tirou uma rosa azul do jarro do
centro-de-mesa, levando-a para a infeliz. "Eu te amo muito, Estela", disse
suavemente. A mulher sorriu, as pálpebras pesadas de sono. Foi quando
pressionou o travesseiro no rosto pálido. Estela pouco se debateu, numa reação
minúscula. Confirmando a morte, ligou a tevê. Agradou-lhe a possibilidade de
rever o clássico de John Steinbeck filmado. Terá que acostumar-se com a casa
desabitada, solitária, com acúmulos de penosos silêncios. Depois do filme,
pensaria numa forma de desfazer-se do corpo. Procuraria também uma palavra, só
uma, uma única palavra, integra, inevitável, estranha na sua condição de puro
êxtase. Abre a caixa de fósforos, risca um deles, acendendo o cigarro, e por
toda a parte repara uma intimidade implacável, permanentemente reservada,
enigmática.
(RT, CooJornal, março 2002)
Antonio Naud é escritor, assessor literário, cineasta
RN
Antonio Júnior segue a caminhada de escritores como Bruce Chatwin, François
Augiéras e Paul Bowles. Viaja por diversos países, fotografando e escrevendo
um diário de viagem. Escreve para as revistas Go (Barcelona), Veludo (Lisboa),
Simples? (SP) e é correspondente do jornal A Tarde (Salvador, Bahia).
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