
Charlotte Rampling em "Sob a Areia"
Atriz britânica inclassificável, surgida no Free-Cinema, aos 54 anos revela,
sem inibições, sua
beleza madura desnuda como Marie, uma mulher que se encontra sozinha ante o
enigma do
desaparecimento súbito do homem de sua vida, em férias de verão. “Sob a
Areia”, do jovem francês
François Ozon, tem recebido críticas entusiasmadas principalmente pela atuação
de CHARLOTTE
RAMPLING. Este ano, ela abriu o Festival de Cannes e recebeu o César especial
por sua longa e
versátil carreira. Um ano fértil, onde atuou em quatro filmes, alimentando uma
filmografia
irresistível. Adotada pelo cinema francês, debutou em “A Bossa da Conquista /
The Knack and How
to Get It” (1965), de Richard Lester, uma comédia que capta o clima moderninho
do Swinging
London. Lançada como símbolo de mulher liberada, inquieta e ambígua, o
reconhecimento
internacional veio com “Os Deuses Malditos”, do mestre Luchino Visconti,
reafirmado com o
escândalo provocado por “O Porteiro da Noite”, onde fez uma judia sobrevivente
do nazismo amante
do seu torturador.
A bela e talentosa CHARLOTTE RAMPLING filmou com John Boorman, Patrice Chéreau,
Arturo Ripstein,
Woody Allen, Sidney Lumet, Michael Cacoyannis e Nagisa Oshima, associando seu
nome à personagens
misteriosos e ardentes. Casada durante 20 anos com o músico Jean-Michel Jarre,
ainda hoje seduz
com seus olhos transparentes e elegante fragilidade. Não é à toa que foi
considerada pela revista
“Empire” como uma das 100 estrelas mais sensuais da história do cinema.
(Entrevista por Antonio Nahud Júnior. Barcelona, 2001. Publicada no jornal “A
Tarde” e no livro
“ArtePalavra – Conversas no Velho Mundo”)
OZON FICOU SATISFEITO EM TÊ-LA COMO PROTAGONISTA E A CRÍTICA AFIRMA QUE SUA
ATUAÇÃO É MAGNÍFICA.
FOI DIFÍCIL ENCONTRAR O PONTO CERTO PARA A SOFRIDA MARIE?
Não usei nenhum método diferenciado de interpretação, nenhuma técnica
especial. Simplesmente
utilizei a memória, porque já havia passado por algo parecido. Eu tive uma
grave depressão e um
sentimento de perda com a morte precoce de minha filha Sara. Com a Marie de
“Sob a Areia” repeti
na ficção a dor e a incredulidade sentidas com o desaparecimento repentino de
um ser amado. Ela é
um personagem complexo. Acho formidável quando no meio do seu desespero se dá conta, depois de
tantos anos, que não conhece realmente o marido, não sabe como ele é de
verdade.
PREFERE PERSONAGENS DENSOS E ESTRANHOS?
Gosto da força dramática dos personagens densos. Necessito de papéis que me
alimentem
emocionalmente. Não me atraem personagens superficiais, caricatos. Sei que
isso limita minha
carreira, mas não estou no cinema para acumular todo tipo de filmes ou ganhar
rios de dinheiro,
prefiro fazer o que me dá prazer. Evito fitas simplórias, descartáveis, mesmo
que o público se
incomode com as minhas escolhas.
COMO FOI TRABALHAR COM FRANÇOIS OZON?
François tem um bom caráter e se envolve com sua equipe, permitindo um
resultado empolgante. A
filmagem foi muito agradável. Ele é um tipo comum, sem esquisitices. O cinema
de autor de antes
era muito mais complicado.
TEM BOAS RECORDAÇÕES DE VISCONTI?
Sim. Eu era muito jovem, desconhecia o mundo em que Visconti vivia e fiquei
bastante
impressionada. Ele marcou a minha carreira e me ensinou a apreciar filmes
profundos e
extravagantes. Nunca mais pude rodar filmes convencionais depois de ter
trabalhado com ele. Uma
pena que não deu certo a nossa segunda colaboração. Ele havia me convidado
para fazer um dos
papéis centrais de “Em Busca do Tempo Perdido”, mas infelizmente o filme não
se concretizou.
TALVEZ TENHA SIDO O CINEASTA MAIS FUNDAMENTAL DE SUA TRAJETÓRIA. AFINAL, ELE
FOI O RESPONSÁVEL
POR SEU LANÇAMENTO MUNDIAL E “OS DEUSES MALDITOS” É UM CLÁSSICO.
Engraçado, muita gente pensa isso. Visconti foi importante para a minha
carreira, jamais negaria,
porém a influência de Woody Allen foi bem maior. Quando fiz “Memórias”, em
1980, Allen foi vital
na minha vida pessoal e profissional. Eu estava perdida, fragilizada, sem
saber como agir e ele
me ensinou que a vida poderia ser divertida.
PASSADOS QUASE TRINTA ANOS, AINDA É LEMBRADA PELA LÚCIA DE “O PORTEIRO DA
NOITE”. SE INCOMODA COM
ISSO?
Com ela encontrei a minha linha de interpretação, o meu estilo. Ela me revelou
o que eu queria
fazer. Sei que muita gente se chocou com o filme e eu poderia ter direcionada
minha carreira para
outros papéis após o escândalo mundial, mas preferi seguir a minha intuição,
investindo na
repetição da luminosidade enigmática do personagem. Acho que foi uma decisão
acertada.
POR QUE DIRECIONOU SUA CARREIRA PARA O CINEMA FRANCÊS?
Filmei em diversos países... Grécia, Suécia, Estados Unidos, Inglaterra,
Itália... Com o cinema
francês tenho um relacionamento amoroso porque ele é generoso com atrizes de
qualquer idade. A
maturidade não é um problema nesse cinema, como acontece habitualmente em
outras cinematografias.
A IMPRENSA TEM ALARDEADO QUE VOCÊ ESTÁ DE VOLTA, MAS NA VERDADE NUNCA DEIXOU
DE FILMAR.
Exatamente. Eu nunca abandonei o cinema. Tenho uma visão poética de minha
carreira, preferindo
atuar em filmes significativos, e muitos deles são de baixo orçamento ou de
distribuição
deficiente, passando despercebidos em inúmeros países. Entusiasma-me correr
riscos, optando por
produções irreverentes. Nos últimos meses, fui dirigida pelo grego Cacoyannis,
por Tony Scott e
John Irvin. No momento, preparo-me para rodar a comédia “Beije Quem Você
Quiser / Embrassez qui
Vous Voudrez”, de Michel Blanc, com Jacques Dutronc e Carole Bouquet.
Portanto, jamais deixei de
filmar e pretendo continuar nas telas por muitos anos.

10 FILMES DE CHARLOTTE
(01)
OS DEUSES MALDITOS
(La Caduta degli Dei, 1969)
de Luchino Visconti
Com Dirk Bogarde, Ingrid Thulin, Helmut Berger
e Florinda Bolkan
(02)
GIORDANO BRUNO
(Idem, 1973)
de Giuliano Montaldo
Com Gian-Maria Volonté e Mathieu Carrière
(03)
O PORTEIRO DA NOITE
(Il Portiere di Notte, 1974)
de Liliana Cavani
Com Dirk Bogarde, Gabrielle Ferzetti e Isa Miranda
(04)
A MARCA DA ORQUÍDEA
(La Chair de l’Orchidée, 1975)
de Patrice Chéreau
Com Bruno Cremer, Edwige Feuillère, Simone Signoret
e Alida Valli
(05)
MEMÓRIAS
(Stardust Memories, 1980)
de Woody Allen
Com Woody Allen e Marie-Christine Barrault
(06)
O VEREDITO
(The Verdict, 1982)
de Sidney Lumet
Com Paul Newman e James Mason
(07)
VIVA LA VIE!
(Idem, 1984)
de Claude Lelouch
Com Michel Piccoli, Jean-Louis Trintignant e Anouk Aimée
(08)
MAX, MON AMOUR
(1986)
de Nagisa Oshima
Com Anthony Higgins e Victoria Abril
(09)
CORAÇÃO SATÂNICO
(Angel Heart, 1987)
de Alan Parker
Com Mickey Rourke e Robert De Niro
(10)
SOB A AREIA
(Sous le Sable, 2000)
de François Ozon
Com Bruno Cremer
(20 de julho/2012)
CooJornal nº 796
Antonio Nahud Júnior,
escritor, poeta, jornalista e fotógrafo.
RN
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