16/09/2021
Ano 24 Número 1.240
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Antonio Nahud
A VIDA SE ESCREVE
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O filósofo naturalista Henry David Thoreau disse: “grande parte dos homens
vive vidas de silencioso desespero”. Referia-se àqueles que vão “levando a
vida” sem apreciar o modo como vivem. É uma frase célebre, periodicamente
resgatada – o que indica que o desconforto com a mediocridade da existência é
um ato incorporado em nossa cultura há muito tempo. Talvez por isso as pessoas
públicas tenham tanta influência no imaginário coletivo, abrindo caminho para
a biografia como registro ímpar de figuras celebradas. Esse é o mercado da
fama, do fascínio. Biografias guardam encantos e revelações que se perdem se
não publicados. Elas iluminam o passado. No entanto, contar tais trajetórias
em livro não é tarefa das mais fáceis. Antes da escrita propriamente dita,
numa dedicação digna do detetive Sam Spade, o autor precisa descobrir o que
transformou uma pessoa comum em objeto de admiração. Possivelmente, a maior
inimiga dessa “investigação” é a memória dos informantes, transmitindo dados
nem sempre confiáveis. Deslizando na fantasia, na calúnia, desilusão,
fanatismo.
Escrevi três biografias. Entre elas, as de Diogenes da Cunha
e Agnelo Alves. Faço também elaborados perfis para os meus blogues “O Falcão
Maltês” e “Cinzas & Diamantes”, de gente e fatos do cinema e literatura: o
cineasta italiano Luchino Visconti; o poeta tropicalista piauiense Torquato
Neto; os poetas norte-americanos Elizabeth Bishop e Walt Whitman; o pistoleiro
Billy the Kid; a musa do Cinema Novo, Norma Bengell, entre diversos outros.
Durante a pesquisa, algumas vezes descobri informações bombásticas, mas que,
por não possuírem provas idôneas ou sem realmente contribuírem para a
excelência do trabalho, simplesmente ignorei. Sim, é preciso que o biógrafo
tenha discernimento. Creio que uma boa literatura biográfica é aquela onde a
transparência e a verdade venham à tona, não importa o quanto isso choque o
leitor. São inspirações para o bem ou para o mal, mas sempre serão
inspirações.
Sou leitor voraz de biografias. Vício iniciado na
adolescência, lendo apaixonado os relatos de Plutarco (“Vida dos Homens
Ilustres”) e Suetônio (“Vidas dos Dozes Césares”). Garrincha, Nelson
Rodrigues, Carmen Miranda tiveram suas intimidades e sua trajetória expostas
em biografias aos que queriam conhecê-los no âmago. Recentemente li a de Adolf
Hitler por Joachim Fest. Simplesmente impecável. Aprecio também Stefan Zweig
(“Maria Antonieta”, “Américo Vespúcio – História de Um Erro Histórico”),
Giorgio Vasari (“A Vida de Michelangelo”), Otto Friedrich (“A Cidade das Redes
- Hollywood nos Anos 40”), Ruy Castro (“O Anjo Pornográfico”). Pois há textos
que pegam na gente e não largam. Na ocasião em que li esses autores, eles me
pareceram capazes de provocar emoções significativas. Creio que ainda hoje são
fortes, desenhando uma espécie de saudade das gentes, de uma humanidade
talentosa na singular e comum aventura de viver.
No Rio Grande do
Norte, há registros biográficos dignos feitos por Luís da Câmara Cascudo,
Manoel Onofre, Diogenes da Cunha Lima, Esmeraldo Siqueira (considerado
maldito, colocado de lado depois da publicação de sua obra “Fauna
Contemporânea”, onde não poupou com meias verdades políticos e escritores), e
mais recentemente, Clotilde Tavares, Sheyla Azevedo com “Um Anjo feito Sereno”
(sobre Newton Navarro) e Rafael Duarte com “O Homem da Feiticeira”, sobre o
cantor Carlos Alexandre. Escrevem sem censura. Nada pode ser pior para uma
biografia do que a censura. Foi nauseabundo quando Caetano-Gil-Milton-Chico
assinaram um manifesto protestando contra as biografias não-autorizadas. Que
decepção para os que, como eu, sempre os tivemos como faróis libertários. O
que é isso, companheiros? Quem não deve, não teme. Vergonha. Vergonha.
Vergonha. Uma nódoa indelével que o futuro repetirá através de suas
biografias, autorizadas ou não.
Acredito que a biografia é importante
para a formação da identidade, já que ela fornece subsídios relevantes sobre a
história da humanidade. Por esse motivo, não faz sentido dizer que a narrativa
da vida de um famoso é de sua propriedade exclusiva, já que suas ações
influenciaram não só a sua própria experiência existencial, mas também as das
pessoas que compartilham uma história comum com ele. Afinal, as biografias,
muitas vezes, acabam tangenciando outras pessoas além do próprio biografado,
as quais tiveram sua participação na vivencia deste. Concluindo, cito o dizer
do poeta John Donne: “nenhum homem é uma ilha”.
(15 de agosto/2015)
RT,
CooJornal nº 948
Antonio Naud Jr é escritor , assessor literário
RN
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