16/09/2022
Ano 25 Número 1.288
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ANTONIO NAHUD |
Antonio Nahud
INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL
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A guerra contra o terrorismo internacional que encabeça os Estados Unidos, em
resposta aos ataques brutais contra o World Trad Center e o Capitólio, é uma
atitude pouco competente, assustadora nos seus propósitos irracionais,
terminando por conduzir a operações militares clássicas como a Guerra do
Golfo. Há um sentimento de vingança, de paranoia social, de manupilação. É a
busca do inimigo invisível, fantasma, tantas vezes alimentado na história, e
que leva à dor e à morte.
Só é possível defender a civilização de
forma civilizada. Uma operação de guerra batizada com o bíblico nome de
Justiça Infinita é no mínimo ridícula. Não se pode levar toda essa tragédia
como uma guerra santa, como uma guerra entre Oriente e Ocidente, como querem
nos fazer crer. É infame ver como as grandes cadeias de televisão mostram
imagens de muçulmanos de longas barbas, fanáticos, com o Alcorão na mão
pedindo o regresso à Idade Média. É uma provocação perversa, resultando em
ofensivas aos imigrantes árabes, que são insultados, humilhados, cuspidos,
golpeados. O mundo árabe-muçulmano merece também respeito e justiça. Não
podemos incentivar uma invasão ao Afeganistão, um país absolutamente devastado
há três décadas pela guerra. Qual seria o benefício para a humanidade?
A perda de tantas pessoas no irracional ataque de setembro e as ferozes
imagens das poderosas torres ruindo são para chorar, mas a guerra contra os
civis não é uma novidade. Existe na África, na Chechênia e em grande parte do
mundo. O ataque contra os civis norte-americano é o mesmo. Cada dia morrem
seres humanos em Gaza e Cisjordânia, assim como na Argélia. O terrível é que
de 80% a 90% dos mortos nessa guerras são civis, mulheres e meninos em boa
parte "Por que a vida de um menino iraquiano não vale o mesmo que a de um
menino norte-americano?", pergunta o intelectual árabe Jaafar Kansoussi. É uma
pergunta digna de reflexão.
Devemos ter cuidado com a improvisação de
"bodes expiatórios" do poder global, o inimigo pode estar mais próximo e ser
menos exótico do que se pode querer fazer crer. Os leitores de novelas
policiais já o sabem: tudo é direcionado para determinado suspeito, quando na
verdade o criminoso é o que menos aparenta sê-lo. Os governos escondem muitas
verdades que o povo não conhece até anos depois ou nunca fica sabendo. Pearl
Harbor, por exemplo, onde morreram mais de duas mil vidas humanas, não foi
planejado simplesmente pelo Japão como nos ensinaram durante décadas,
Roosevelt é que provocou estrategicamente o ataque dos japoneses porque queria
lutar ao lado da Grã-Bretanha contra os aliados de Hitler. Evidentemente que o
astuto multimilionário saudi Ossama Bin Laden merece castigo, se não por essa
suposta infâmia por outras; o que não devemos aceitar é uma guerra sangrenta
ou uma invasão ao território afegão.
Paquistão, que tem mais de 140
milhões de habitantes e é a única potência nuclear islâmica, atua como
protetor oficial do movimento taliban que governa em Afeganistão, um país que
tem as fronteiras fechadas, como uma prisão. Esses talibans protegem o
terrorista internacional mais procurado. Devem ser aniquilados por isso? A
comunidade internacional poderia se movimentar pela paz, contra o choque de
civilizações alertado por Huntington. O Afegnastiao, um país maior que França
e com uma população de 32 milhões de habitantes, não sabe o que é a paz desde
1979, ano que foi invadido pelos soviéticos. Nesta sociedade baseada nas
identidades tribais, de clã, e etnicamente heterogênea, 75% da população não
sabe ler e vive da produção de ópio e da ajuda humanitária. É também um povo
montanhês duro de roer, que somente foi conquistado pelo mongol Gengis-Khan,
resistindo ao cerco do império britânico no século 19 e aos russos no 20.
Significando que a vingança da primeira potência do mundo, provocaria uma
catástrofe. Que podemos esperar de um presidente tão pouco lúcido como Bush,
que desfaz de tratados como o acordo anti-míssel com a Rússia? Quando
governador do Texas aprovava tranquilamente a pena de morte. Seu pai já dizia
que desaparecendo o comunismo, o novo inimigo seria o islã. Na Segunda Guerra,
os inimigos eram o Japão e a Alemanha nazista. Hoje são Bin Laden, os
muçulmanos, os afegãos. É a cultura do ódio e desprezo pela vida humana. Uma
cegueira povoada por agentes secretos e gordos interesses. Os norte-americanos
se sentem vulneráveis pela primeira vez na história. Uma traumatizante
surpresa de serem surpreendidos. Estrelas como Warren Beatty ou a inglesa
Julie Andrews temem tomar aviões para a Europa, cancelando participações em
festivais de cinema. Shows de músicos são adiados. Uma comédia sem graça com
personagens patéticos.
No dia 11 de setembro, quando os pilotos
suicidas chocaram três aviões comerciais contra edifícios emblemáticos
norte-americanos, assassinando mais de seis mil civis, foi um duro golpe para
o FBI, a CIA, o Departamento de Inteligência de Defesa e outros organismos,
fragilizando a defesa do presidente Bush, baseada no escudo de alta tecnologia
contra supostos ataques de mísseis. Só que desta vez o inimigo real não é a
tecnologia, e sim o fanatismo, e os fanáticos dispostos a morrer não são
detectados por nenhum escudo anti-míssil. Humilhado, Bush não perdoa o bizarro
e espetacular êxito técnico terrorista, pondo em causa uma sociedade que gasta
30.000 milhões de dólares ao ano em espionagem. O país que deveria saber mais
coisas acerca das redes terroristas e suas tramas também é vulnerável. Com a
América atacada a fragilidade da nossa civilização ficou evidente. Os meios de
comunicação atuam como cúmplices de uma possível guerra, enganando-nos a
todos, apelando para a comoção e a indignação irracional. Querem fazer crer
que o bandido Bin Laden é sensivelmente a manifestação da maldade pura, o
demônio reencarnado, o anti-Cristo. Um rótulo até o momento sem fundamentos
concretos. Bin Laden é um produto da CIA, que o treinou para recrutar
muyahidines, soldados da guerra santa, para derrota os soviéticos nos anos 80.
Até 1989 ele trabalhou para a CIA. Como se vê ele não é um sujeito com boas
intenções, mas esse thriller policial de terror, se visto com olhos bem
abertos, levaria a senhores do mal superiores. Isso numa sociedade cada vez
mais militarizada. Os grandes vilões, os inimigos ocultos que estão sorrindo
entre nós, são os desequilíbrios de poder, riqueza e monopólio de informação.
A leitura do mundo deve ser revisada: paz perpétua, sociedade transparente,
justiça e trabalho para todos. A supremacia bombardeada mostra que a estrutura
poderosa (política, informativa, econômica tecnológica) está num beco sem
saída. "Temos que eliminar nossos aspectos mais frívolos e superficiais Os
Estados Unidos tem vivido num sonho, dedicados a dinheiro e aos prazeres, com
a idéia de que a história se acabou", alertou o autor de Leviatan, o
nova-iorquino Paul Austen. "Vi dois dias de guerra na maior cidade da
América. Imaginem uma sucessao desses dias ao largo dos anos, suas vidas
feitas só de dias como esses. Alguma lucidez histórica quiçá nos ajude a
comprender o ocorrido", declarou a ensaísta Susan Sontag. Esse espetáculo de
morte e a queda do World Trad Center, um dos ícones do século 20, devem ser
interpretados sem raiva e com inteligência, nao uma inteligência artificial à
maneira dos robots de Spielberg. A realidade não é uma novela barata de Tom
Clancy, mesmo quando existem semelhanças, como em Dívida de Honra (1995), uma
trama de 828 páginas com um final apocalíptico, em que um boeing 747,
conduzido por um piloto suicida, se chocava no Capitólio de Washington
aniquilando a classe dirigente norte-americana.
Eduquem-se as pessoas
para que sejam racionais, e que as religioes defendam um interesse comum para
evitar rivalidades que resultem em violência, em massacres. A humanidade
deve se apiedar, comover-se, por todos osmilhares de civis em guerra em muitas partes do mundo, evitando novos
conflitos. É preciso também uma resposta intelectual, livros e artigos que
analisem cuidadosamente a situaçao. A cultura pode ser usadacomo
resgate, como salvamento de futuras vítimas. O que se passou nos EUA nao
deve ser repetido nas sociedades árabes ou em qualquer outro lugar. Fico
contente com a negativa do Brasil em participar com soldados neste
conflito. Prova que ainda resta uma esperança.
O triste ataque aos EUA
obriga a mudar muitas idéias com as quais o Ocidente vinha manejando. Nao
se deve cultivar a tensao que existe entre o Ocidente e o mundo árabe.
Busquemos um conceito de paz e de um futuro digno. Seria prudente evitar
uma resposta militar, tão solidária entre os políticos conservadores,
melhor uma cooperaçao entre vários países sensatos que seja possível conter
o temor por meio de uma compreensao, abandonando ao mesmo tempo a
provocaçao a uma cultura oposta a nossa e aos nossos planos de
superioridade. O primeiro a fazer é mudar de canal quando um estúpido ao
ser entrevistado na CNN, diz com voz suave e assustada: "Nao entendo como o
resto do mundo quer o mal de cidadaos norte-americanos normais como nós". É
o diálogo inicial de um filme pouco talentoso onde já sabemos o final.
(RT, setembro, 2001)
Antonio Naud é escritor, assessor literário, cineasta
RN
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