Descobri que há várias fórmulas para
ser feliz no Brasil.
Não foi uma descoberta fácil. Levou-me anos
de paciente estudo e observação. Isto se deu depois de muito amor febril
sob o céu anil, deixando de lado o fuzil e o cantil até chegar à
compreensão total da pátria amada idolatrada salve salve. E foi minha
salvação.
Até hoje, digo, até ontem, era daqueles que tinham um
pensamento simplista e, direi, maniqueísta: julgava que eu estava certo
e o país errado. Que pretensão, meu Deus! Nisto era igual, talvez à
média nacional. Cada um, individualmente, se julga certo e impecável,
mas considera o conjunto dasastrado e inviável. Ou, o que é pior ainda:
achando que o país era ruim e eu bom, eu era evidentemente melhor do que
o país.
A situação não só não era nada poética, mas era patética
e nada dialética. E o meu problema era um antiético dilema.
Aí
estava a contradição: se cada um de per si era bom, por que o conjunto
era tão ruim? Esse teorema não cabia em nenhuma matemática, ou como diz
um amigo, "matemágica". Como é que a soma de tantos dados individuais
positivos dava um resultado negativo? Seria esta nação um caso de
perversão gestaltiana? Ora, segundo essa corrente da psicologia, um
conjunto não é apenas a soma de suas partes, mas a soma de suas partes
mais um. Ou seja, no final, aparece um elemento que não estava à vista,
mas que dá sentido ao conjunto.
De qualquer forma a questão
continuava insolúvel, porque não havia explicação para que a soma fosse
negativa.
Chegou o momento, contudo, em que mudei minha postura
diante desse quadro. Por exemplo: estava num jantar. De repente,
começavam as conversas apocalípticas perfeitamente integradas (ver livro
de Umberto Eco: Apocalípticos e integrados). O tom era catastrófico: a
corrupção no governo, a inflação etc. E, de repente, surge um
retardatário que contava que acabara de ser assaltado na esquina.
No princípio, caía nessa armadilha e arruinava o meu jantar. Mas com
o tempo desenvolvi uma técnica de legítima defesa. Então, convido
queridos à minha casa ou escolho com eles um belo restaurante para
passar gostosos momentos e vou deixar que se instale o baixo astral? Vou
deixar que derramem sangue no meu prato, fel na minha boca e azedem o
vinho da noite? Afastem de mim esse cálice.
Um dia, como
aconteceu a São Paulo no caminho de Damasco, desabou sobre mim uma
iluminação: "Cai na real, cara! Se o país é o que é há quinhentos anos,
como acusá-lo de não ser o que não é?"
Vejam vocês, bem que os
chineses diziam: o homem sábio é aquele que descobre o óbvio. E a voz
continuou: "É isso aí cara! O erro é seu, tá legal? O País é de uma
fidelidade canina a si mesmo, você é que está por fora."
E estava
eu ainda atordoado, quando a voz se afastou dizendo uma frase ao estilo
zen tropical: "Não se pode estar num mangueiral querendo comer goiaba.
Nem jabuticaba. Muito menos mangaba. Quanto mais graviola e açaí. É isso
aí."
Não me entendam mal. Não estou propondo a volta do lema criado
no tempo de Delfim-Médici: "BRASIL, AME OU DEIXE-O". Nem vê. Já que não
posso elevar o salário mínimo sem minimizar a catástrofe que isto seria
para a economia nacional, já que não posso elevar o piso salarial sem
pisar no calo dos patrões, quero apenas elevar o nível teórico do
desprazer.
Doc Comparato me disse uma vez, numa dessas crises
nacionais das quintas-feiras, que sempre que a situação piora lhe
acorria essa indagação: o que estarão pensando os mineiros? E só depois
disto se tranquilizava (ou não). Como mineiro, eu confio mais nos
gregos. E toda vez que a situação fica de dar pena, certo de que a
filosofia do vizinho é mais gorda, volto aos gregos. E lá encontro outra
banal e segura orientação.
Tudo é questão de ponto de vista. Para
alguns, o que existe é o real. Para outros o real não passa de puro
reflexo do que pensamos sobre o real. Se você muda as ideias, muda
imediatamente o real. É mais ou menos o que acontece com a criança. Ela
tem que tomar aquele remédio horrível. Aí vem a mãe e diz a palavra: "É
gostoso, neném, gostosinho, toma", e a criança toma convencida de que as
palavras da mãe é que estão certas. "O dodói já passou, pronto, mamãe
sopra e não dói mais." As palavras, como vêem, têm muita força.
Já que o leitor teve a paciente curiosidade de me acompanhar até aqui,
adianto do que tratarei na próxima crônica. Chega de introdução e
suspense. Para ser feliz no Brasil há três atitudes que o brasileiro
pode assumir. Todas elas conduzem à felicidade, não direi cínica (não
confundam), mas cívica: 1) a atitude alienada-lírica; 2) a atitude
lógica-cética; 3) a atitude revolucinária-progressista.
Juntas ou
separadas resolvem qualquer infelicidade.