16/01/2024
Ano 27
Número 1.351







AFFONSO ROMANO
ARQUIVO


 

Affonso Romano de Sant'Anna

 
BUDA E AS MULHERES

 


Até alguns meses atrás eu sabia do budismo aquilo que toda pessoa (ou enciclopédia) sabe. Mas, hospedando-me num hotel em São Paulo, encontrei na cabeceira da cama, não a Bíblia cristã, mas A doutrina de Buda.

Procurando há muito "o caminho da Iluminação", comecei a ler os ensinamentos do Abençoado. De repente, esbarro com o capítulo "A vida das mulheres". Sendo leitor de Dante, que procurava também a Iluminação através da mulher, fosse ela a sua esposa concreta ou a ideal Beatriz, confesso que levei um choque com a imagem de mulher e esposa esboçada pelo Iluminado Mestre.

Quando fiz essa leitura, a televisão ainda não passava a novela Mandala, onde há aquele cômico monge budista fugindo à sanha erótica de sua ex-mulher. Ali a coisa parece meio caricatural, na base da farsa. Mas, de repente, neste texto editado pela Bukko Dendo Kyokai de Tóquio, encontramos a descrição do que deve ser uma mulher. E sabemos que a intenção aqui não era caricatura. Está lá escrito:

"Há quatro tipos de mulheres. Ao primeiro tipo pertencem as mulheres que se irritam por ninharias, que têm mentes inconstantes, que são gananciosas e invejosas da felicidade alheia, e as que nutrem simpatia ou solicitude diante das necessidades de outrem.

"Ao segundo tipo pertencem as mulheres que também se irritam com ninharias, que são volúveis e gananciosas, mas não invejam a felicidade alheia e são simpáticas e solícitas diante das necessidades de outrem.

"Ao terceiro tipo pertencem as mulheres que são mais tolerantes e não se irritam com muita frequência, que sabem como controlar uma mente gananciosa, mas são incapazes de evitar o ciúme, e as que não são simpáticas às necessidades de outrem.

"Ao quarto tipo pertencem as mulheres que são tolerantes, que podem refrear os sentimentos de cobiça e manter a mente calma, que não invejam a felicidade alheia, e as que são simpáticas e solícitas diante das necessidades de outrem."

Que cada leitora (junto ou separadamente do seu marido) tente ver onde se classifica na escala de Buda.

Algumas esposas são recalcitrantes. Não querem "honrar e servir os pais do marido'' e ao ''professor do marido''. São como Suja- ta, a jovem esposa de Anathapindada, primogênito de um rico mercador, que por ser uma mulher que não se submetia ao marido e aos sogros era qualificada de arrogante e trouxe ''a discórdia ao seio da família".

Por causa disto, "um dia o Abençoado, ao visitar Anathapindada, verificou este estado de coisas. Chamou então a Sujata e lhe disse bondosamente:

"Sujata, há sete tipos de esposas. Existe a esposa que é como um assassino. Ela tem a mente impura, não honra o seu marido e, consequentemente, dá seu coração a outro homem.

"Existe a esposa que é como um ladrão, nunca entende o trabalho do marido, pensa apenas no seu desejo peIa luxúria. Malbarata a renda de seu marido para satisfazer seu próprio apetite e, assim fazendo, rouba o esposo.

"Existe a esposa que é como um asno. Ela injuria o marido, negligencia a administração do lar e sempre o xinga com palavras grosseiras.

"Existe a esposa que é como uma mãe. Ela cuida do marido como se fosse um filho, protege-o, assim como uma mãe protege o filho, e toma cuidado de sua renda.

"Existe a esposa que é como uma irmã. É fiel ao marido e o serve como uma irmã, com modéstia e recato.

"Existe a esposa que é como amigo. Ela tenta agradar o marido, como a um amigo que retornou após uma longa ausência. Ela é modesta, comporta-se corretamente e o trata com grande respeito.

"Finalmente, existe a esposa que é como uma criada. Ela serve o marido bem e com fidelidade. Ela o respeita, acata as suas ordens, não deseja nada para si mesma, não tem maus sentimentos nem mágoas, sempre procura fazê-lo feliz.

"O Abençoado então lhe perguntou: "Sujata, que tipo de esposa você é ou gostaria de ser?'

"Ouvindo o que disse o Abençoado, envergonhou-se da sua conduta e lhe respondeu que gostaria de ser como a esposa do último exemplo, isto é, uma criada. Dai em diante, mudou seu modo de agir e se tornou uma fiel colaboradora do marido, e juntos procuraram a Iluminação."

Curioso que nos sete tipos de esposas (assassino, ladrão, asno, mãe, irmã, amigo e criada) não haja o tipo esposa-esposa. Curioso que o marido seja sempre o centro do sistema. Não estranha que Cristo tenha surgido como grande revolucionário.

Sujatas de todo o mundo, uni-vos. Ou melhor, desuni-vos.


(RT, 1º de maio/2016)
CooJornal nº 982


Affonso Romano de Sant'Anna
escritor, cronista e jornalista
Editora Rocco
Transcrição autorizada pelo autor



Direitos Reservados. É proibida a reprodução deste artigo em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização do autor.