Affonso Romano de Sant'Anna
AMOR, O INTERMINÁVEL APRENDIZADO |
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Criança,
pensava: amor, coisa que os adultos sabem.
Via-os aos pares
namorando nos portões enluarados se entrebuscando numa aflição feliz de
mãos na folhagem das anáguas. Via-os noivos se comprometendo à luz da
sala ante a família, ante as mobílias; via-os casados, um ancorado no
corpo do outro, e pensava: amor, coisa-para-depois, um
depois-adulto-aprendizado.
Se enganava.
Se enganava porque
o aprendizado do amor não tem começo nem é privilégio aos adultos
reservado. Sim, o amor é um interminável aprendizado.
Por isto se
enganava enquanto olhava com os colegas, de dentro dos arbustos do
jardim, os casais que nos portões se amavam. Sim, se pesquisavam numa
prospecção de veios e grutas, num desdobramento de noturnos mapas
seguindo o astrolábio dos luares, mas nem por isto se encontravam. E
quando algum amante desaparecia ou se afastava, não era porque estava
saciado. Isto aprenderia depois. É que fora buscar outro amor, a busca
recomeçara, pois a fome de amor não sacia nunca, como ali já não se
saciava.
De fato, reparando nos vizinhos, podia observar. Mesmo
os casados, atrás da aparente tranquilidade, continuavam inquietos.
Alguns eram mais indiscretos. A vizinha casada deu para namorar. Aquele
que era um crente fiel sempre na igreja, um dia jogou tudo para cima e
amigou-se com uma jovem. E a mulher que morava em frente da farmácia,
tão doméstica e feliz, de repente fugiu com um boêmio, largando marido e
filhos.
Então, constatou, de novo se enganara. Os adultos, mesmo
os casados, embora pareçam um porto onde as naus já atracaram, os
adultos, mesmo os casados, que parecem arbustos cujas raízes já se
entrançaram, eles também não sabem, estão no meio da viagem e só eles
sabem quantas tempestades enfrentaram e quantas vezes naufragaram.
Depois de folhear um, dez, centenas de corpos avulsos tentando o
amor verbalizar, entrou numa biblioteca. Ali estavam as grandes paixões.
Os poetas e novelistas deveriam saber das coisas. Julietas se debruçavam
apunhaladas sobre o corpo morto dos Romeus. Tristãos e Isoldas tomavam o
filtro do amor e ficavam condenados à traição daqueles que mais amavam e
sem poderem realizar o amor.
O amor se procurava. E se
encontrando, desesperava, se afastava, desencontrava.
Então,
pensou: há o amor, há o desejo e há a paixão.
O desejo é assim:
quer imediata e pronta realização. É indistinto. Por alguém que, de
repente, se ilumina nas taças de uma festa, por alguém que de repente
dobra a perna de uma maneira irresistivelmente feminina.
Já a
paixão é outra coisa. O desejo não é nada pessoal. A paixão é um
vendaval. Funde um no outro, é egoísta e, em muitos casos, fatal.
O amor soma desejo e paixão, é a arte das artes, é arte final.
Mas reparou: amor às vezes coincide com a paixão, às vezes não.
Amor às vezes coincide com o desejo, à vezes não.
Amor às
vezes coincide com o casamento, às vezes não.
E mais complicado
ainda: amor às vezes coincide com o amor, às vezes não.
Absurdo.
Como pode o amor não coincidir consigo mesmo?
Adolescente
amava de um jeito. Adulto amava melhormente de outro. Quando viesse a
velhice, como amaria finalmente? Há um amor dos vinte, um amor dos
cinquenta e outro dos oitenta? Coisa de demente.
Não era só a
estória e as estórias do seu amor. Não história universal do amor,
amou-se sempre diferentemente, embora parecesse ser sempre o mesmo amor
de antigamente.
Estava sempre perplexo. Olhava para os outros,
olhava para si mesmo ensimesmado.
Não havia jeito. O amor era o
mesmo e sempre diferenciado.
O amor se aprendia sempre, mas do
amor não terminava nunca o aprendizado.
Optou por aceitar a sua
ignorância.
Em matéria de amor, escolar, era um repetente
conformado.
E na escola do amor declarou-se eternamente
matriculado.
(RT,
1º de maio/2016)
CooJornal nº 982
Affonso Romano de Sant'Anna escritor,
cronista e jornalista Editora Rocco
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