data

16/02/2025
Ano 28
Semana 1.403




Arquivo

Conversa

com o paciente

 




Julgamentos


Dr. Pedro Franco

julgamentosEm verdade se vive de julgamentos e a cada instante, mesmo se não percebemos. E se acerta muito, por bem julgar e também se erra, logicamente. Se tribunais preparados para julgar, com cidadãos instruídos e pagos para julgar, podem errar e erram e por vários motivos e até espúrios, pobre de nós, indivíduos singulares, que a cada momento, mesmo sem perceber, agem escudados em aferições, julgamentos, julgam. E vou me fixar em dois julgamentos, com características opostas. Baseados em julgamentos e um, se não errou, não sabia dos fatos capitais do enredo. Vamos a fato, para comentar dois julgamentos e ambos com bases sólidas, ainda que um denigra um filho e o outro vem com mais pormenores. Fato. Médico e Diretor do Hospital interna a própria mãe. Filho único e apegado à mãe. A mãe está semi-comatosa e entra enfermeira no quarto. Vê filho sacudindo de leve a paciente e ouve o termo dinheiro, dito pelo filho, médico e diretor do Hospital. Sai rápida do quarto e chocada, como era de esperar. Como um filho, médico, pode agir desta maneira? Então o que se contou corresponde à realidade da enfermeira. Corresponde. Só que! Filho e mãe são muito ligados e por toda a vida. Mãe, filho, mulher de filho vivem juntos e irmanados. Normalmente quem fica com a paciente é nora. Moram juntas e em mar de rosa e amores. Naquela manhã cuida da mãe o filho e está muito preocupado com o que está pensando a mãe. Mãe viúva, mora com o casal e muitos pensam que ele, filho, é o genro. E a mãe, tendo câncer insidioso, com muitas internações, começa a ficar cansada do sofrimento e não faz os tratamentos com o devido ânimo. Diga-se que a mãe tem boa pensão do marido, mas o filho não a deixa participar das despesas da casa, até porque não precisa. Vendo a mãe desanimada com os tratamentos, vai a ardil. Chega-se à mãe, lúcida e desanimada. – Mamãe, nunca precisei que a Senhora me ajudasse nas despesas da casa e a Senhora sempre reclamou, só que no momento minhas despesas de casa e do consultório aumentaram e eu preciso que a Senhora me ajude, para sua nora e seus netos não tenham que viver de forma a que não estão acostumados. Para a Senhora me ajudar, tem que estar viva e recebendo sua pensão. A conversa foi maior, só que deu ânimo à mãe para entregar-se e com denodo aos tratamentos. Os fez, melhorou, estava muito ansiosa por ajudar a manter o padrão financeiro da família. Até aí tudo nos conformes, só que de repente piora, entra em quadro comatoso. E na fatídica manhã em que enfermeira entrou no quarto e... Naquela manhã o filho percebeu que mãe estava um pouco mais lúcida e queria que ela não mais se preocupasse com os dinheiros da família. Levantou-a um pouco do leito, percebeu que mãe o escutava e docemente a sacudiu e avisou. – Mamãe, preste atenção. Não se preocupe. Melhorei de vida e não mais vamos precisar do seu dinheiro. Nós e seus netos vamos ficar bem. Fique em paz e tranquila. Pousou a mãe no leito devagar e, muito emocionado, deu-lhe um beijo na testa. Só que a enfermeira só ouviu a palavra dinheiros... E sempre olhou enviesado o médico. Este, com o rabo dos olhos vira a enfermeira entrar, só que não ia deixar passar aquele momento de lucidez da mãe, para dar explicações. Nem soube bem o que a enfermeira ouviu e diante da dor de perder Dona Maria de Lourdes, não se preocupou em dar explicações, que até podiam parecer enganosas.

Pedro Franco é médico cardiologista
RJ
pdaf35@gmail.com

 

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Direção e Editoria
Irene Serra

Revista Rio Total


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