16/12/2024
Ano 27
Semana 1.395

 




Arquivo

Conversa

com o paciente

 

 


 

Ajuda, mas não empurra


Dr. Pedro Franco



É comum atender paciente que tem filho atento e dedicado. Vez por outra dedicado e até demais. Embora ocorram duplas diferentes, a mais típica é representada por mãe e filha. As duas ótimas pessoas e a filha cuidando da mãe. Acrescente-se que ambas são pessoas de ótima índole, com boa cultura, só que os gênios nem sempre são amenos. Cartas na mesa, ambas mandonas, narizinhos arrebitados, a mãe em parte depende financeiramente da filha e chego ao título da crônica. As escaramuças diárias não ajudam a convivência, convivência intensa e a filha vive interessada em prover a mãe e de todas as formas. A mãe passou dos setenta e a filha chega aos quarenta, uma viúva e outra divorciada. Não moram juntas, só que funcionam como se morassem. A mãe apresenta raros esquecimentos, os gostos literários e musicas são diferentes e, fora a afetividade bilateral, são pessoas em tudo relacionadas ao bom gosto, ainda que com enfoques diferentes. Se uma é pelas direitas, a filha cambia para as esquerdas, ainda que ambas, inteligentes que são, vejam falhas aqui e acolá. E se uma foi professora, a outra ainda é. Traçados os perfis e de forma perfunctória, chegam ao consultório e o médico, eu no caso, várias vezes sou convocado para juiz, ainda que saiba que não desejo arbitrar aquele amor existente, ainda que tumultuado e cada vez mais. E se não sou juiz, não devo sê-lo e piso em gelo fino, se quiser de fato ajudá-las. E aquela linda devoção da filha precisa ser encaminhada. Como? Situação complicada e que pode ser apresentada com o título desta conversa. Mandá-las a profissionais da área da saúde mental não resolve, pois ambas já têm sessões semanais e cada profissional parece municiar seu lado, dando razões às suas pacientes. E vira e mexe a minha consulta se torna pugna e ambas querem me trazer para seu lado. Em princípio tenho dever de tentar acertar ponteiros e sempre tendo em mente quem é de fato minha paciente. Então está na hora de apresentar máximas e mostrar como resolvo situações complexas com meu cabedal de antigo e devotado profissional, que, se cuida do coração, não se esquece que com robôs não lido. Lamento, só que não tenho fórmulas para resolver pendenga filial que perdura por vários anos. No âmago, aconselharia a filha a chegar-se ao título da conversa. Ajuda, mas não empurra. A sabedoria tem que vir das duas, só que a mais nova, que mais carrega o andor, tem que saber que o santo é de barro e durante anos e anos carregou sua própria liturgia e não é agora que vai mudar completamente e pensar pela cabeça de alguém. Resolvi o grande problema das duas? Não, tento, tento, só que me faltam engenho e arte para convencer duas ótimas pessoas, ainda que um pouco cabeças duras, a conviver e sob novas perspectivas, trazidas pela saúde da mãe. Então fico no ajuda, mas não empurra. Se julgar que é pouco, concordo, mas... 

Pedro Franco é médico cardiologista
RJ
pdaf35@gmail.com

 

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Direção e Editoria
Irene Serra