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Ajuda, mas não empurra
Dr. Pedro Franco
É comum atender paciente que tem filho atento e dedicado. Vez por outra
dedicado e até demais. Embora ocorram duplas diferentes, a mais típica é
representada por mãe e filha. As duas ótimas pessoas e a filha cuidando da mãe.
Acrescente-se que ambas são pessoas de ótima índole, com boa cultura, só que os
gênios nem sempre são amenos. Cartas na mesa, ambas mandonas, narizinhos
arrebitados, a mãe em parte depende financeiramente da filha e chego ao título
da crônica. As escaramuças diárias não ajudam a convivência, convivência intensa
e a filha vive interessada em prover a mãe e de todas as formas. A mãe passou
dos setenta e a filha chega aos quarenta, uma viúva e outra divorciada. Não
moram juntas, só que funcionam como se morassem. A mãe apresenta raros
esquecimentos, os gostos literários e musicas são diferentes e, fora a
afetividade bilateral, são pessoas em tudo relacionadas ao bom gosto, ainda que
com enfoques diferentes. Se uma é pelas direitas, a filha cambia para as
esquerdas, ainda que ambas, inteligentes que são, vejam falhas aqui e acolá. E
se uma foi professora, a outra ainda é. Traçados os perfis e de forma
perfunctória, chegam ao consultório e o médico, eu no caso, várias vezes sou
convocado para juiz, ainda que saiba que não desejo arbitrar aquele amor
existente, ainda que tumultuado e cada vez mais. E se não sou juiz, não devo
sê-lo e piso em gelo fino, se quiser de fato ajudá-las. E aquela linda devoção
da filha precisa ser encaminhada. Como? Situação complicada e que pode ser
apresentada com o título desta conversa. Mandá-las a profissionais da área da
saúde mental não resolve, pois ambas já têm sessões semanais e cada
profissional parece municiar seu lado, dando razões às suas pacientes. E vira e
mexe a minha consulta se torna pugna e ambas querem me trazer para seu lado. Em
princípio tenho dever de tentar acertar ponteiros e sempre tendo em mente quem é
de fato minha paciente. Então está na hora de apresentar máximas e mostrar como
resolvo situações complexas com meu cabedal de antigo e devotado profissional,
que, se cuida do coração, não se esquece que com robôs não lido. Lamento, só que
não tenho fórmulas para resolver pendenga filial que perdura por vários anos.
No âmago, aconselharia a filha a chegar-se ao título da conversa. Ajuda, mas não
empurra. A sabedoria tem que vir das duas, só que a mais nova, que mais carrega
o andor, tem que saber que o santo é de barro e durante anos e anos carregou sua
própria liturgia e não é agora que vai mudar completamente e pensar pela cabeça
de alguém. Resolvi o grande problema das duas? Não, tento, tento, só que me
faltam engenho e arte para convencer duas ótimas pessoas, ainda que um pouco
cabeças duras, a conviver e sob novas perspectivas, trazidas pela saúde da mãe.
Então fico no ajuda, mas não empurra. Se julgar que é pouco, concordo, mas...
Pedro Franco é médico cardiologista
RJ pdaf35@gmail.com
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Direção e Editoria
Irene Serra
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