01/08/2024
Ano 27
Semana 1.377

 




Arquivo

Conversa

com o paciente

 

 


 

Eletrocardiograma, um velho exame que continua importante


Dr. Pedro Franco



Um javanês de nome Willen Einthoven, tinha pai holandês, médico, que foi trabalhar em Java, protetorado holandês e lá nasceu o gênio, menos conhecido que merece. Einthoven, em 1901, inventou o eletrocardiograma e pelo invento ganhou o Prêmio Nobel de 1924. Logicamente o invento foi aprimorado, só que a base, o alicerce, veio da base Einthoven. Vale frisar, que as três derivações do invento foram preservadas e serviram de base a todas as demais derivações. Então com 123 anos o invento de Einthoven continua prestando inestimáveis serviços à humanidade. Parece que estou dando dimensão excessiva ao eletrocardiograma e não estou. Um autor de nome Katz asseverou, e com razão, o supremo tribunal das arritmias cardíacas é o eletrocardiograma. Em qualquer lugar do mundo, o único exame que de fato vai nortear o tratamento de uma arritmia cardíaca continua sendo o eletrocardiograma, inventado por Einthoven, em 1901. E lhes conto duas historinhas acontecidas comigo e entram eletrocardiograma. Conversa com o paciente não precisa ser austera, se quiser ser lida. E aí vai a história da Pasta Rosa, absolutamente verídica. Comprei meu primeiro eletrocardiógrafo em 1963, ajudado pelo meu santo Avô Diniz. Fui ser o “eletrocardiografista” dos funcionários de uma empresa de grande porte, a convite do médico chefe, que jogara basquetebol comigo. Bons tempos. Estávamos em outros tempos. Marcava-se doze funcionários e de vinte em vinte minutos se fazia um eletrocardiograma. Vinte e quatro horas depois entregava eletrocardiogramas montados e com os respectivos laudos, para os pacientes serem examinados pelo Médico Clínico. Que não fosse perder aquele serviço, muito bem vindo para um chefe de família, já com mulher, filha de três anos e um varão a caminho, filho este que agora é um muito bem vindo colega em Cardiologia. Primeiro dia, tudo bem. No segundo dia de exames, o primeiro funcionário a fazer o eletrocardiograma é o Sr. José. Prepara-se o paciente, liga-se o aparelho e a agulha, que deveria deixar traçado no papel parafinado, zune e risca desordenadamente. Mexo no aparelho, tento acertá-lo e nada consigo. Desmarco os outros onze pacientes e me dirijo ao consertador de eletrocardiógrafos. Mostro o papel com os riscos desordenados, o consertador julga interessante, pede que deixe o aparelho e volte no dia seguinte. Àquela altura o Viso-Cardiette, que me serviu por muitos anos, já saíra da garantia. Volto no dia seguinte.
Doutor, vai ser caro. Tive que mexer em todo o seu aparelho, tropicalizei (soube depois que tropicalizar era tirar umidade) e não encontrei defeito.
Preço, um quarto do custo do aparelho. Contava este acontecimento nos cursos anuais de Eletrocardiografia, porque o caso é didático. Aparelho consertado, remarcam-se os mesmos pacientes. Vem o Sr. José, prepara-se para o exame e a agulha volta a não obedecer. Repete-se tudo, desmarcação etc. Nova ida ao consertador. Testes com o simulador de paciente.
−− Seu eletrocardiógrafo está perfeito, mas vou verificar tudo de novo.
Volto no dia seguinte e nem dormi direito.
Não entendo, seu aparelho está perfeito!
Marco nova ida à fábrica. E cito Nelson Rodrigues. “Sem sorte não se chupa nem um Chica-bom. Você pode engasgar com o palito, ou ser atropelado pela carrocinha.” É fato. Terceira tentativa: Seu José tinha saído e em seu lugar vem Seu João. Traçado perfeito! Ave César! Vem Seu Agenor. Traçado perfeito. Chega o Sr. José. Sou só sorrisos. Deita-se, ligo o aparelho. A agulha zune desordenadamente. Era o Sr. José, então. Próteses metálicas não tinha, já perguntara no primeiro dia.

−−
Onde trabalha?
−− Na Galvanoplastia.
−− Há pó de metal?
−−
Muito.
Pó que se entranhava na pele e criava correntes secundárias, que impediam a realização do eletrocardiograma. Pedi à enfermeira que me conseguisse Pasta Rosa.
−− Pasta Rosa de limpeza de panelas?
−− É.
E nos pacientes da Galvanoplastia passei a limpar o local onde colocava os eletródios com a Pasta Rosa. Aprendi e que esta história sirva para outros colegas iniciantes. E todos devem saber que no início de uma profissão aparecem problemas complicados. Alguns, por incrível que pareça, podem ser sanados com algo semelhante à Pasta Rosa.

Pedro Franco é médico cardiologista
RJ
pdaf35@gmail.com

 

 __________________________

Direção e Editoria
Irene Serra