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Festas e dispépticos

Pedro Franco
Nossa conversa na Revista Rio Total não é
pertinente ao médico. Interessa mais a alguns doentes e por eles o assunto me
foi trazido. A obrigatoriedade de comer e beber socialmente e ir a festas para
determinadas pessoas é um verdadeiro martírio, pois alguns anfitriões julgam o
seu visitante pela voracidade e "capacidade hidráulica". O coitado que carrega
uma enfermidade digestiva tem três alternativas, em relação a recepções:
1. não ir. A família reclama, idem os amigos e se insiste em se meter em
casa fica insociável, retraído, pouco lembrado e até profissionalmente pode se
prejudicar; 2. ir e comer. Há os dias subsequentes, com enxaquecas, náuseas,
vômitos, tonteiras, cólicas etc. Assim não dá; 3. ir e não comer e nem beber.
Talvez seja a opção mais válida, porém mais difícil de manter em sociedade.
Come, está uma beleza! Fui eu quem fez, com tudo fresquinho! Um pouquinho não
faz mal! Você está ficando um "chato". Não bebe nada! Que mal faz um "uisquinho
escocês?" Isto é "psicada". Vá lá, tome um golinho desta batida especial! E haja
paciência para não comer ou beber, para dizer não, para não ser indelicado. Às
vezes, contam os doentes, a pressão social é forte, a anfitriã exigente, o
anfitrião agressivo bebedor. Ou brigo ou bebo. Ou como. E se bebe o vinho do Rio
Grande do Sul especial ou se degusta a maionese de camarão. E perde-se os
próximos quatro dias com sérios problemas digestivos. Ou os hiperlipidêmicos são
obrigados a ingerir gorduras de origem animal, (— Não acredite neste negócio de
colesterol ou triglicerídeos, isto é invenção dos médicos), ou fazem os
diabéticos comerem fatacazes de bolo. (— Um dia só não faz mal. Gostou? Então
mais uma fatiazinha). E o cafezinho para os ulcerosos, as frituras para os
portadores de colecistites, o sal para os hipertensos. A lista seria inutilmente
grande.
Relatei as ocorridas e as tensões desencadeadas. O enfermo
procura uma das três alternativas, consecutiva e sucessivamente, cambinando de
ordem. Alguns referem o seguinte. Adoram ir a festas. Gostam de conversar, mesmo
com água mineral. Encantam-se com os "papos", com a convivência. Não são
enjoados ou invejosos, por não comerem ou beberem. Acham a comunicação mais
importante nas recepções que os secos e molhados, por incrível que possa
parecer. Preferem um bife mal passado com batatas cozidas e arroz em um jantar
elegante, pois o que querem mesmo é gozar as companhias e as ideias. Valorizam
mais o intelectual do que o gustativo, por estranho que seja. A presença destas
pessoas é um preito aos donos da festa. Vieram para rever amigos, conversar,
rir, contar piadas. Mas não podem pagar o alto preço de passarem dias
adoentados, até porque têm de ganhar seus sustentos, nos dias seguintes às
festas, se os donos da casa são insistentes e obsequiosos em demasia.
Quem sabe se o senhor ou a senhora, excelentes anfitriões, por excesso de
cuidados não estão colocando para correr um bom e excelente conviva, mental,
pois sendo, digamos, fraco de estômago, abandonará sua casa, ao se ver obrigado
a comer e beber, ou caindo na negativa, vê o senhor ou a senhora ficarem
magoados. Aceitem seus amigos como são, Acreditem, no caso, em Rabelais (Faz o
que desejar). Come e bebe quem pode e quer. Quem não se "amarrar" na mesa,
viverá as outras distrações das suas festas. Agindo assim estarão deixando um
convidado se divertir, como a natureza lhe permite. Não pense que um bom
conviva, um bom amigo, se mede pelo grau de glutoneira ou capacidade alcoólica.
Acredite, um mau "gourmet" pode ser um excelente "papo" e visita alegre. E
apresenta mais uma vantagem, nunca corre o perigo de se tornar alegre em
excesso...
Pedro Franco é médico cardiologista
RJ pdaf35@gmail.com
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Direção e Editoria
Irene Serra
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