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O acompanhante

Pedro Franco
Nesta nossa conversa, tenho mesclado
tópicos eminentemente assistenciais e aspectos mais relacionados à profissão
médica, fugindo sempre do tome isto, faça aquilo, pois quem sabe de seu problema
médico específico é o seu clínico. Devo apenas me reportar aos assuntos
genéricos da Medicina. Assim, já falei nas dietas intempestivas, das condutas
dos pacientes, do fumo, dos relacionamentos, etc. Hoje abordo o acompanhante,
que poderia chamar de familiar mais interessado, de enfermeiro sem diploma e que
pode ser um cônjuge, irmão, pai, ou mesmo amigo, quer no hospital, residência ou
consultório. E pelo tom que posso proferir depois, temo parecer que estou contra
o acompanhante. Para evitar este enfoque, entro logo com um "habeas corpus"
preventivo, afirmando que julgo a figura do acompanhante importantíssima e mesmo
indispensável. Não desejo o cliente solitário, do tipo "quero saber tudo",
escondendo os problemas da família, pois fico em situação assaz difícil, às
vezes. Julgo que o doente, sempre que possível, deve saber de sua doença, para
compreendê-la e me ajudar a tratá-lo. Não tem cabimento dizer: "O Senhor não tem
nada, mas não pode fazer esforços, vai tomar estes cinco remédios, nos horários
indicados e com rigor e, além de ter feito o eletrocardiograma, precisa fazer
estes exames de sangue, urina e o estudo ecorradiográfico do coração". Esta conduta quebraria o importante elo, que deve presidir as relações do
binômio médico-paciente, pois pressupõe um ignorante perante o médico, que
aceita remédios fortes, restrições de hábitos e exames, sem uma motivação
medica. Acima, coloquei: “sempre que possível, pois podemos estar diante de
uma enfermidade grave, incurável, em doente sensível, digamos, temeroso e
deprimido. Há que se dizer a verdade minimizada, expor perante um familiar,
acompanhante, a verdadeira situação, para deliberarem com frieza, as melhores
condutas para o enfermo e para sua família. Cada doente é um caso diferente, que
requer uma solução individual, no plano técnico e emocional, alguns precisam ser
cruamente alertados, outros necessitam ser envolvidos pelos acontecimentos. E um
familiar, ou amigo, pode ajudar a encontrar a sintonia, se está imbuído da
vontade de ajudar, se tem confiança no médico e se não tumultua.
Às vezes
é a avó que quer impor seus conceitos de puericultura defasados, ou é o primo
do enfermo que o acompanha ao cardiologista A, mas, só tendo confiança no B, que
tratou de seu compadre. Descrê frontalmente dos remédios e dieta preconizados.
Ou se imiscuiu durante a anamnese, para contar a sua enfermidade, que pode ser
importante, porém nada tem a ver com o caso em foco, desviando a atenção do médico
e subtraindo preciosos minutos. Ou ainda, fazendo sugestões terapêuticas,
algumas absurdas, ofensivas ou pueris. Enfim, quebrando o clima de
relacionamento que deve presidir à consulta. Ou ainda criando casos nos
hospitais, reclamando do sofá, da comida, das enfermeiras, dos ruídos, do
horário do médico, do quarto que não tem boa vista, de tudo enfim, servindo
apenas para abater o ânimo do enfermo, perturbar o médico, que, às vezes, já
trava uma luta desigual contra a doença, os meios, a vida profissional, o
cansaço, contra a morte e vê um potencial e importantíssimo aliado, o
acompanhante principal, o "suporting cast", se bandear para as "hostes
inimigas", levando de roldão enfermo e família, deixando o profissional
dedicado, que deve ser infalível e, infortunadamente, não é, só, solitário,
abatido e derrotado, quando poderia ter vencido, se o acompanhante acreditasse,
fosse sincero, não tumultuasse. Tentam, em algumas ocasiões, à socapa, com a
conivência de um outro profissional menos ético, conhecer uma nova opinião.
Escondido, friso e não era preciso, pois as conferências médicas, estabelecidas
conforme conceitos rígidos, existem para se ouvir outras ideias. E medicam
então, já que não houve o diálogo médico, escusamente, com 30% de medicamentos
do Dr. A e 10% do Dr. B, mais a dieta do Dr. C, arvorando-se o acompanhante em
misto de chefe de equipe e semideus, que separa o joio do trigo de cada receita.
E quem perde? O mais importante personagem não é o médico ou o acompanhante,
que são coadjuvantes, é o enfermo, que precisa da sua equipe afinada e coesa
para lhe emprestar os benefícios da moderna tecnologia, sem esquecer o
indispensável carinho e a harmonia, que deve prevalecer entre as diversas peças
da mesma e que se refletem em todo o tratamento. Todos nós, hoje ou amanhã,
seremos acompanhantes, mesmo os médicos, e no importante posto devemos nos
colocar em posição secundária, de total ajuda e de modesta eficiência, querendo
colaborar sempre sem nunca atrapalhar ou tumultuar. A função é importante e muito difícil. Mais difícil do que podem julgar os que não vivem
o dia a dia da Medicina. E em algumas doenças, o sucesso do médico depende
integralmente da vigilância e da colaboração dos acompanhantes, que se
desincumbiram adequadamente de suas múltiplas tarefas.
Pedro Franco é médico cardiologista
RJ pdaf35@gmail.com
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Direção e Editoria
Irene Serra
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