|
Coração provoca dor

Pedro Franco
- Doutor, eu venho
sentindo uma dor aqui (e o cliente aponta a face anterior do tórax, na altura do
esterno) e não vim procurá-lo logo pois dizem que coração não dói. Como não
melhorei, resolvi consultá-lo.
Tenho escutado este conceito errado inúmeras
vezes. Por sorte este paciente ainda procurou, a tempo, para dirimir a dúvida.
Talvez a conceituação errônea sobre a sensação dolorosa que advém do coração e
dos vasos da base tenha, infelizmente, se propagado, devido a demonstração de
William Harvey, quando manuseou o coração exposto do Visconde de Montgomery, sem
que sentisse dor, o mesmo acontecendo quando se produziu estímulos dolorosos
ordinários. Outros pesquisadores, mais tarde, confirmaram que o coração e o
pericárdio visceral, de um ser humano consciente, podem ser estimulados mecânica
e eletricamente, sem que se experimente dor. Em compensação a clínica mostra, no
seu dia a dia, e a experimentação científica comprova de maneira indiscutível,
que inúmeras cardiopatias, não todas, provocam dores intensíssimas, quase
insuportáveis.
Portanto, uma dor no peito merece sempre ser analisada pelo
clínico, ou pelo cardiologista, para averiguação se é cardíaca, ou extra
cardíaca. Estes facultativos colherão a história médico-social do paciente,
apurando como, quando e onde se iniciou a dor. Procederão a minucioso exame
clínico, recorrerão ao eletrocardiograma, com ou sem prova de esforço e, se
julgarem necessário, pedirão radiografias e provas laboratoriais, descobrindo
então qual o órgão culpado pela dor referida pelo paciente, tomando então as
medidas necessárias, algumas vezes com a máxima urgência.
Na grande maioria
das dores originadas por cardiopatias, o estímulo é proveniente de uma hipoxia,
isto é, falta da oxigenação necessária. A insuficiente oxigenação gera produtos
metabólicos, que estimulam as terminações dos nervos aferentes, desencadeando
então mecanismos neurológicos que produzirão a sensação dolorosa. Isto ocorre em
todas as enfermidades coronarianas (enfarto do miocárdio, síndrome coronariana
intermediária ou angina de peito), cuja etiologia predominante é a
arteriosclerose coronariana. Mas não só a hipoxia explica dores cardíacas. 0
aneurisma dissecante, com sua dor insuportável, estimula subitamente, pelo
estiramento, as fibras nervosas aferentes da parede da artéria aorta. Esta
entidade se torna raridade, enquanto a ateromatose coronariana é problema
cardiológico fundamental, pois prejudica a irrigação do coração e desencadeia um
cortejo sintomatológico imenso.
De prático para o leitor vale recordar que
algumas enfermidades cardíacas podem provocar dor. Em presença destas é
imprescindível procurar seu médico-assistente, para que o mesmo estabeleça o
diagnóstico diferencial entre as dores extra cardíacas (pulmonares,
esqueléticas, nevrálgicas, abdominais, etc.) e as cardíacas, e providencie, em
tempo, as medidas necessárias para, em muitos casos, salvar-lhe a vida.
Se o
doente, crendo que "coração não dói", tarda em procurar o médico, quando o faz,
às vezes, a recuperação se torna impossível.
Pedro Franco é médico cardiologista
RJ
___________________
Direção e Editoria
IRENE SERRA
irene@revistariototal.com.br
|