Ângelo Pignataro
A primeira vez que vi esta receita foi na
publicação, fac-simile, do códice do século XVI - Caderno de receitas da infante
Dona Maria, feita pela Biblioteca Nacional. O códice pertence à Biblioteca de
Nápoles, Itália. Curioso e guloso, logo preparei e gostei. Veja a receita:
“Tome uma galinha crua e faça-a em pedaços.
Em seguida prepara-se um refogado
com duas colheres de manteiga e uma pequena fatia de toucinho. Deita-se dentro a
galinha e deixa-a corar. Cubra-se a galinha com água suficiente para cozê-la,
pois não se há de deitar-lhe outra. Estando a galinha quase cozida, tome-se
cebola verde, salsa, coentro e hortelã, pica-se tudo bem miudinho e deita-se na
panela, com um pouco de caldo de limão. Acabe de cozinhar a galinha muito bem.
Tome então fatias de pão e disponha-as no fundo de uma terrina, e derrame sobre
elas a galinha.
Cubra com gemas escalfadas* e polvilhe com canela”.
Os
termos “mouro", “mourisco” ainda geram alguma confusão, mas existe um motivo
para isso: embora os termos possam ser encontrados nos livros de história, na
literatura e em várias representações artísticas, não descrevem uma etnia ou
raça em específico. Em vez disso, o conceito de mouro foi usado durante séculos
para descrever alternativamente o reinado dos muçulmanos em Espanha, os europeus
de ascendência africana e não só. Derivado do latim maurus, o termo foi
originalmente usado para descrever os berberes e outros povos da antiga
província romana da Mauritânia, onde atualmente fica o Norte de África. Com o
passar do tempo, o termo foi sendo cada vez mais aplicado aos muçulmanos que
viviam na Europa (do site nationalgeographic.com).
Como os mulçumanos não
fazem uso de carne suína, a presença da “pequena fatia de toucinho” causa
estranheza. Mas vale muito a pena.
Bom apetite.
* Gemas escalfadas ou
poché.
Ângelo Piganataro, designer e especializado em Museologia,
é um dos
fundadores do Festival Gastronômico de Tiradentes.